ElekistãoFotografia – Elekistão http://elekistao.blogfolha.uol.com.br Notas sobre o universo cultural e adjacências Tue, 19 Nov 2013 04:14:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Janelas discretas http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/09/17/janelas-discretas/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/09/17/janelas-discretas/#comments Tue, 17 Sep 2013 13:11:55 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=623 Eis mais uma série de recuerdos visuais da viagem diplomática do Elekistão às terras peruanas.

Janela em mosteiro de Cusco

Janela no templo Qorikancha, em Cusco

Janela que dá pra janela (e assim por diante), em Choquequirao

“Olho mágico” em Choquequirao

Janela para as nuvens, nas ruínas incas

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O choque-mate de Mr. Elliott http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/09/06/o-choque-mate-de-mr-elliott/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/09/06/o-choque-mate-de-mr-elliott/#respond Fri, 06 Sep 2013 18:34:52 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=563 Continue lendo →]]> O fotógrafo Elliott Erwitt acaba de fazer uma jogada arriscada, como a imagem abaixo comprova.

Jogo de xadrez registrado por Elliott Erwitt

Mestre da fotografia em branco e preto, ele lançou esta semana seu primeiro livro só com imagens coloridas. É bem verdade que, escondido sob o codinome de André S Solidor, ele havia publicado um volume repleto de cores, chamado “The Art of  André S Solidor” (2009), com imagens como esta maravilha abaixo. Mas Erwitt é Erwitt e Solidor é Solidor.

Foto de André S Solidor

Os dois têm em comum a mesma editora. A casa alemã teNeues, responsável pela compilação do exótico Solidor, é que lança agora o volume “Kolor” (disponível em versão padrão, por 125 dólares, ou com uma cópia assinada por Erwitt, por 2500 pratas). Não deve ter sido moleza realizar a seleção das imagens.

Aos 85 anos, o mestre da agência Magnum tinha um acervo de mais de 500 mil fotos coloridas, feitas com filmes Ektachrome e Kodachome, como as fotos abaixo.

Maior fotógrafo de cachorros do mundo, aqui coloca o cão no fim da fila

Direção agressiva, na visão colorida de Erwitt

Antes que revelasse este seu mundo full color, Erwitt esteve em São Paulo, em 2009, para uma palestra e uma entrevista. Escrevi o textinho abaixo, que recompartillho com os leitores do Elekistão.

O fotógrafo posa para Renato Parada

 Ele prefere os quadrúpedes

Era evidente o espanto nos olhos daquele vira-lata barbudinho, cor de farofa, que chafurdava os sacos de lixo na esquina da Martim Francisco com a Martinico Prado. “Eu não acredito!”, grunhia, enquanto tentava se recompor, diante da visão do senhor de cabelos brancos, suspensórios tricolores e sandália papette. “Não pode ser que Elliott Erwitt esteja aqui em Santa Cecília”, dizia seu rabo desajeitado, espanando de um lado pro outro, ao passo que se posicionava gisellebundchenmente para um retrato.

Talvez por estar sem a câmera Leica engatilhada na mão direita ou, mais provável, inebriado pela minha promessa de um suculento polpettone, que ele viria a enfrentar com louvor no vizinho Jardim de Napoli, Erwitt perdeu a pose daquele carismático saco de pulgas paulistano.

É raridade. Desde uma tarde fria de 1946, quando se deitou numa calçada de Manhattan para retratar um chihuahua paramentado com uma roupinha de lã, nenhum bípede fotografou cães tão bem quanto ele.

Nesta, que veio a ser a primeira das centenas de imagens clássicas capturadas por Mr. Erwitt, a ideia nem era fotografar o animalzinho de olhos esbugalhados. Recém-saído do exército americano, após a Segunda Guerra, Elliott havia sido contratado por uma revista semanal de Nova York para fazer um editorial de sapatos femininos. O ex-recruta, de 18 anos, pouco entendia de scarpins, sapatilhas e sandalinhas. Mas não titubeou. “Logo pensei nos cães. Ninguém vê tantos sapatos como eles”, relembra. Elliott Erwitt já demonstrava ter a qualidade inequívoca para um grande fotojornalista: faro.

O olfato apurado, não demorou muito, o conduziu à melhor agência fotográfica de todos os tempos. Chegou à Magnum Photos em 1953, convidado por um sujeito chamado Robert Capa, que fundara a agência seis anos antes com outro punhado de comparsas, entre eles Henri Cartier-Bresson.

É em parte por conta da mesma Magnum Photos que o fotógrafo há mais tempo em atividade da agência veio a São Paulo em setembro. Aos 81 anos, Erwitt visitou a capital paulistana para falar do ofício. As loas ao fotógrafo também foram rendidas com uma exposição de 60 de suas fotografias.

Há bem mais do que cãezinhos à mostra. Além de buldogues, terriers, poodles e chihuahuas, o velho Erwitt fotografou outros animaizinhos mais selvagens, como, digamos, Marilyn Monroe. “Marilyn? Ah, ela não era nada de mais. Em termos físicos ela era surpreendentemente pouco atraente. Mas era muito simpática e sensível. Muito inteligente”, conta. Então tá… Ele a fotografou uma porção de vezes. Numa de suas fotos mais conhecidas, a atriz aparece rodeada de uma turminha que inclui seu ex-marido Arthur Miller, John Houston, Montgomery Clift e Clark Gable. Aparentemente Erwitt nunca foi de fazer festa em torno de figuras conhecidas. E eles as fotografou às matilhas. De Che Guevarra a JFK, de Marlene Dietrich a Humphrey Bogart, de Yukio Mishima (pouco antes de cometer seu famoso harakiri) a Simone de Beauvoir. “Fotografar ‘celebridades’ é exatamente como fotografar ‘não-celebridades'”, expressa em seu antifotografês confesso. “A questão é achar o enquadramento correto e tentar encontrar algo único na pessoa. Nunca me intimidei com ninguém. Sempre pensava que mesmo o mais célebre dos seres sempre escova os dentes, como eu, a cada noite antes de ir para a cama.”

O fato de ter tido uma infância levemente cinematográfica talvez ajude. O norte-americano Elliott Erwitt não nasceu nos Estados Unidos, e não se chamava nem Elliott nem Erwitt. Sua cidade-natal foi Paris e a certidão de nascimento, de julho de 1928, leva o nome Elio Romano Erwitz. O pai era estudante de arquitetura, nascido em Odessa, na Ucrânia. A mãe vinha de família rica de mercadores de Moscou. Os dois se encontraram na mítica Trieste, na Itália, e foram para a França, onde nasceu o nosso personagem. Com ele ainda criança, mudaram todos para Milão, onde “Elio” viveu até os 10 anos. “Graças ao Mussolini é que eu sou americano”, brinca. A família Erwitz (depois Erwitt) escapuliu por pouco: tomaram o último navio a sair da Itália para os EUA, dia 1º de setembro: dois dias antes que a Guerra fosse declarada.

Na chuvosa semana em que chegou a São Paulo, Erwitt completava sete décadas de Estados Unidos. Em seu apartamento, em um vistoso prédio bege em frente ao Central Park, em Nova York, vive com a mulher, o cão terrier Sammy e itens como um alce que trouxe do Alaska, uma estátua em tamanho real de um policial japonês, uma coleção de buzinas de bicicletas, um…

As bugigangas ajudam a ilustrar um dos traços mais marcantes da fotografia de Erwitt: seu humor. Na concepção dele, fazer as pessoas rir é um dos maiores feitos que alguém pode conseguir. Mais invejáveis, para ele, são só os que, como Charles Chaplin, conseguem alternadamente fazer as pessoas chorar e rir. O humor de Erwitt não é propriamente o das videocassetadas. É manso; por vezes lírico, por vezes irônico. De todos os grandes fotógrafos do século 20, clube do qual tem  carteirinha, ele talvez tenha sido o que mais tenha feito as imagens sorrir. Mais recentemente chegou a investir na gargalhada fotográfica. Mestre das imagens em preto e branco, bem-humoradas, mas contidas, ele fez nascer um heterônimo chamado Andre S. Solidor, por meio do qual libertou suas imagens mais coloridas, kitsch e antijornalísticas (encenadas e manipuladas por computador). Essas acabam de ser reunidas no imponente livro “The Art of Andre S. Solidor”, da editora alemã TeNeues.

Dizem que fora dos livros, das fotografias e filmes (já que também assinou documentários e filmes mais comerciais para TV) Elliott Erwitt é um sujeito casmurro. Sim, e não. “Você tem ideia de quantos países já visitou?”, foi uma pergunta infeliz do sobrescrito, durante a degustação de polpettones. Erwitt, que em seus mais de 30 livros (oito deles só sobre cachorros), publica imagens que fez em Auschwitz e em Burma, em Tóquio e na Argentina, na Nova Zelândia e no Irã, responde candidamente: “Já fui a quatro países”. Faz uma pausa e complementa: “É, talvez mais”. Entre esses “quatro países” inclui-se o Brasil, que ele visitou mais de uma dezena de vezes, seja para registrar Brasília em construção, o sequestro de um navio na costa pernambucana, as ladeiras do Pelourinho ou as praias do Rio e de Búzios. “Elliott”, pergunto, “você deve achar as nossas praias muito bonitas, já que as visitou tantas vezes, não?” “É, as praias são bonitas. Mas não é por isso que eu vinha sempre ao Brasil. Era por causa de uma garota brasileira espetacular”. Mestre Erwitt sabe desconcertar.

O desconcerto é um de seus modus operandi de fotografar: mais aparente quando se trata dos cães. Em muitos de seus retratos caninos os animais estão saltando, latindo, sorrindo, uivando. Sabe por quê? Um akita que fazia seu trottoir nos Jardins pode dar seu testemunho. O cãozinho passava pela Alameda Franca, em frente à galeria 8 Rosas, quando foi surpreendido por latidos bravos. Vinham de um senhor de cabelos brancos e suspensórios. É. Elliott Erwitt late, e late alto, para os cachorros com os quais cruza no caminho. Late, e depois os fotografa. Bem, não é sempre que o faz. Para desgosto de um vira-lata cor de farofa, de Santa Cecília.

 

O clássico retrato canino de Erwitt, de 1946

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#Instaexposições http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/04/04/instaexposicoes/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/04/04/instaexposicoes/#comments Thu, 04 Apr 2013 16:45:16 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=227 Continue lendo →]]> Houve tempo, que os olhos já não conseguem enxergar, em que amigos e parentes se reuniam para projetar slides: o titio mostrava instantâneos de seu intrépido camping no litoral, o casal de pombinhos repassava as cenas do casamento no bufê, o vovô mostrava os recuerdos de quando levou a patroa para conhecer Buenos Aires.

Há pelo menos um par de anos, a sessão de slides global, ininterrupta, gigantesca e, voilá, com filtros, se desenvolve no ambiente virtual Instagram.  E isso até a mais amarrotada revista do mais empoeirado consultório médico já explicou, em detalhes.

Foto de Everton Ballardin (@everball)

Mas de uns tempos para cá, mais tempos do que tinha conhecimento o distraído povo de Elekistão, as imagens freneticamente distribuídas e consumidas por meio deste “aplicativo” estão ganhando caprichadas exposições em galerias de arte e em museus.

Há atualmente em São Paulo, ao menos uma “instaexposição” em cartaz, e na gloriosa Pinacoteca do Estado: a mostra “Pinagram I – Retratos”, com imagens colhidas e selecionadas por um dos principais curadores de fotografia do país, Diógenes Moura.

E no fim da tarde desta quinta-feira (habemus notícia, por fim), das 18h às 22h, começa uma nova exposição do gênero, também em São Paulo. Trata-se da mostra #IgersHocDieExpo, com fotos de 11 “instagramers” (algumas delas ilustram este poust), escolhidas pelo fotógrafo, militante fotográfico, jornalista e curador Juan Esteves.

Foto de Helena de Castro (@helenadecastro)

A instaexposição ficará em cartaz no espaço HocDiedesign (r. Peixoto Gomide, 1887, tel. 0/xx/11/3088-6141). Ela é composta de 110 imagens, dez por cabeça, e serão vendidas por R$ 360 (com tiragens de 25 cada uma).

Foto de Marcelo Prista (@mprista)

Esteves selecionou um elenco misto: fotógrafos profissionais, como Everton Ballardin (a.k.a. @everball) e Helena de Castro (@helenadecastro), e profissionais das mais variadas áreas de atuação (Patrícia Ponte, a @titaponte, é médica obstetra, Pimpa Brauem, a @pimpabr, é jornalista e Marcelo “@mprista” Prista é diretor de arte), todos praticantes, sem moderação, da instagramia.

Foto de Elaine Eiger (@elaineeiger)

A exposição terá duração “insta”. Fica em cartaz, fisicamente, só até o dia 13 de abril. Mas continua, a seu modo, em um dos 6 bilhões de celulares (dados recentes da ONU) perto de você, com a hashtag #igershocdieexpo.

Foto de Patrícia Ponte (@titaponte)

Post-scriptum: o Elekistão, sob o inescrutável nome de @cassianoelek, povoa o Instagram de imagens de gatinhos bebês e retratos de pratos de comida. 

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Zingg Maravilha http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/03/12/zingg-maravilha/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/03/12/zingg-maravilha/#comments Tue, 12 Mar 2013 20:39:57 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=124 Continue lendo →]]> Embora tenha sido heavy user do Facebook, há bocados de tempos me desinteressei pelo “Livro das faces”, como a ele se refere um bom amigo. Há entulho demais por aquelas bandas azuladas. Mas em uma espiadela ocasional nas “notificações” que recebi, me dei conta de algo magnífico: Elke Maravilha havia aceitado meu pedido de amizade.

David Zingg vê Elke Maravilha como Marylin (1975)

Elke, a incrível mulher de Leningrado, mereceria todo um grandioso e purpurinado post em Elekistão (quizás até um apartado neste site, com o título de Elkistão). Mas não é dela que aqui se trata.

Fiquei “amigo” dela enquanto escrevia um texto para a revista “Serafina” sobre o mestre da fotografia (e do bem viver) David Drew Zingg (1923-2000). Havia decidido escrever sobre o americano de Montclair porque o Instituto Moreira Salles (IMS), centro de excelência em fotografia, havia fechado acordo com os herdeiros de Zingg para receber, em comodato, todo o seu arquivo.

O tamanho do acervo demonstra que, apesar de sua notória boemia, Zingg era um tremendo hardworker. O coordenador de fotografia do IMS, Sérgio Burgi, estima que entre 150 mil e 200 mil imagens, em sua maioria diapositivos em 35 mm, estejam na reserva técnica da instituição, atualmente sendo submetidas a higienização e climatização.

E onde entra a Elke nesta história, questionará o incauto?

A senhorita Maravilha foi amiga de Zingg, que a fotografou lindamente. Um dos retratos dela foi até mesmo o escolhido pela competente equipe de designers da “Serafina” para ilustrar a abertura da matéria. Um terceiro exemplo (além da Elke à Marylin Monroe daqui de cima) é este aqui:

Elke exibe o penteado para Zingg

Ainda que estas imagens, e as demais fotos incluídas na reportagem (todas de Zingg, emprestadas gentilmente pelo Instituto Moreira Salles), evidenciem o colossal talento do americano na arte do retrato, Elekistão apresenta abaixo, junto a uma versão ampliada do texto publicado originalmente na revista (na edição de março/2013), outros exemplos da originalidade do olhar zínggico.

Cartaz na esquina da av. Ipiranga com a av. São João (1978)

Isso em mim provoca imensa dor, mas tudo indica que Tom Jobim também desafina. A história está até numa enciclopédia: num bar de Ipanema, o compositor advertiu um americano branquela que cogitava mudar para o país: “David, o Brasil não é para principiantes”.

Zingg, o David em questão, poderia ser quase qualquer coisa, menos principiante. Ex-piloto de bombardeios B-17 na Segunda Guerra Mundial, ex-plantador de bananas em Honduras, amigo de John Fitzgerald Kennedy, Ph.D em dry martinis bem secos e em hambúrgueres suculentos, o jovem astro do jornalismo americano David Drew Zingg estava pronto para tudo. Ipanema estalou os dedos, e ele veio correndo atender seu chamado. Zingg não foi mais o mesmo, mas nosso país tampouco.

Quando num açougue em Cochabamba ou num trem no Sri Lanka tocarem “The Girl of Ipanema”, haverá algo de David Zingg no ar, como se esclarecerá adiante. Antes, as fotografias, que é delas que tratamos aqui.

Não foi amor à primeira vista, o de Dave com as câmeras.  Nascido em Montclair, em Nova Jersei, em 1923, ele estudou história e literatura na Universidade Columbia, em Nova York, e foi editor e repórter em revistas de grande prestígio em seu tempo, como a “Life” e a “Look”.

Não estava mal no ofício: num dia circundava a ilha de Mallorca, na Espanha, em companhia do pintor Joan Miró, noutro viajava pelos Estados Unidos com a orquestra de Duke Ellington. Mas eis que teve algum tipo de estalo. “Depois de sete anos em ‘Look’, descobri que não era o grande poeta americano, que simplesmente não tinha talento para escrever o romance definitivo sobre a minha geração”, disse, em 1985 ao jornalista Geraldo Mayrink.

Tendo carregado muitas maletas de grandes fotógrafos, gente como Eugene Smith e Richard Avedon, resolveu que seria um deles: investiu 125 dólares numa Nikon e virou fotógrafo.

Lambe-lambe em Brasília (1960)

Retratou, dizia ele, figuras como Winston Churchill, Che Guevara, Marcel Duchamp, Louis Armstrong, Lawrence Durrell e o velho parceiro de iatismo JFK.
Em 1959, os ventos o trouxeram pela primeira vez ao Rio de Janeiro. Chegou a bordo de um veleiro chamado Ondine, quando cobria a corrida oceânica Buenos Aires-Rio para a revista “Sports Illustrated”. Era Carnaval e David se hospedou no Copacabana Palace. Comparava essa viagem à de Pedro Álvares Cabral.

Pintura retratando o Cristo Redentor (sem data)

Diferentemente do navegador, não deixou mais de descobrir o Brasil. Até que, diz a lenda, ou o próprio Zingg, uma chuva num final de dezembro de 1964 fez com que ele resolvesse ficar. Estava no país para fazer um ensaio para a revista “Look”, jantava na casa do amigo Sérgio Bernardes, quando um temporal impediu que voltasse ao hotel. O arquiteto ofereceu que ele se hospedasse uma noite. Ficou um ano.

Deixou a mulher e os três filhos em Nova York, e mudou-se de vez.
Não é exagero afirmar, como o fez um de seus grandes amigos, o jornalista e editor Matinas Suzuki Jr., que Zingg foi decisivo na mudança da fotografia nas revistas e na publicidade brasileira nos anos 1960. “Ajudou a criar, na imprensa local, os conceitos do ‘ensaio fotográfico’, cujo momento culminante foi a revista ‘Realidade’, e de ‘portrait”, escreveu ele na Folha (clique aqui), quando Zingg morreu, em julho de 2000.

Exemplo do peso histórico de sua arte está no livro “Fotografia em Revista”, que a Abril lançou em 2010, com uma seleção de mais de 350 fotografias que marcaram os 60 anos iniciais da editora. Uma das seis fotos escolhidas para a capa é de Zingg. 

Idealizador do projeto e membro do conselho editorial da Abril, Thomaz Souto Corrêa enxerga com clareza as qualidades do fotógrafo, de quem foi amigo.
“David tinha o olhar descomplicado”, opina. “Ele foi o caso mais rápido de assimilação de um estrangeiro que já vi. Virou um carioca em tempo recorde. Sua fotografia também conseguia alcançar um colorido brasileiro muito raro de se ver.”
Quando alguma revista da casa precisava de uma imagem bonita de pôr-do-sol, chamavam logo Zingg, o que justifica um de seus apelidos: “Sunset Zingg”.

Palmeira da fazenda Tombador, em Mato Grosso (1984)

Além dos trabalhos antológicos para revistas como “Manchete”, que foi sua primeira casa, e depois “Quatro Rodas”, “Pop” e, sobretudo “Realidade” (de Leila Diniz grávida e nua a Juscelino Kubitschek de meias, com os pés sobre a mesa), Zingg prestou importantes serviços à iconografia musical.

Fez os melhores retratos de todos os Pixinguinhas, Dorival Caymmis e João Gilbertos que se possa imaginar, além de ter assinado capas de disco de uma turma que inclui Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso (estes três, mais Nara Leão, Toquinho, Paulinho da Viola e companhia foram clicados juntos para uma capa da “Realidade”, de novembro de 1966, onde se usou pela primeira vez o termo MPB).

Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr., Zelito Viana, Barretão, Glauber e Leon Hirszman

Zingg também se aventurou pelo cinema. Ele fez a fotografia, por exemplo, de “Memórias de Helena” (1974), filme de David Neves. E também pode ser visto atuando, em pelo menos duas produções dos anos 1960: em  “O Bravo Guerreiro”, de Gustavo Dahl, fez o papel de senador O’Finney (e pode pôr em prática seu know-how de ter sido o assessor de imprensa do candidato à presidência dos EUA Adlai Stevenson); em “Garota de Ipanema”, de Leon Hirzman, representou um fotógrafo.

Letreiro de cinema (sem data)

O inquieto e andarilho Zingg, tipo que jamais calçava sapatos, foi personagem marcante também da turma da moda. Uma de suas amigas neste universo era a então manequim Elke Maravilha, de quem ele fez retratos dignos do codinome dela.
“O David enxergava a alma da gente”, relembra Maravilha, que recorda ter posado para Zingg caracterizada de personagens como Marylin Monroe, Josephine Baker e, como não, Elke Maravilha. “Ele tinha um humor deslumbrante. Viajávamos para Búzios e ficávamos dias enchendo a cara e rindo juntos.”

O publicitário Washington Olivetto também diz que teve importantes experiências etílicas com Mr. Zingg, seu personal trainer na arte do dry martini.
Mais do que isso, reputa ao amigo uma espécie de “pós-graduação em vida”. “Ele nos apresentava modelos maravilhosas, me mostrou bares como o Monkey, em Nova York, me fez conhecer figuras incríveis, como Hans Donner e Oscar Ornstein, o relações públicas do Copacabana Palace e dono da melhor agenda do Rio de Janeiro.”
Depois de muitas peripécias no Rio, como criar com os amigos André Midani e Lennie Dale um partido político só para estrangeiros residentes no Brasil, no final dos anos 1970 Zingg trouxe seus chapéus panamá e gravatas borboletas para São Paulo.

O centro de São Paulo, entre décadas de 1960 e 1970

Se no Rio ele havia se misturado com a turma do “Pasquim” e com a trupe do banquinho e violão, na capital paulistana se infiltrou entre os punks. Sim. Foi cantor da banda de punk-rock-humor Joelho de Porco. Punks também foram as experiências, pouco conhecidas, de fotógrafo de cenas de crimes na periferia paulistana, para o extinto jornal “Notícias Populares”.  Mas mais do que na fotografia ou na música, nos últimos anos de sua vida Zingg se expressou com a escrita.

Cardápio em vidro (sem data)

De 1987 a 2000, autodenominando-se Tio Dave, assinou centenas de elegantes crônicas na Folha. Nelas, empregava sua maravilhosa antena para antecipar aos “Joãozinhos”, como tratava nós leitores, a importância que teriam mais adiante grandes acontecimentos mundiais, como a internet, Bill Clinton ou até Giselle Bündchen (leia texto de Tio Dave sobre ela, um de seus últimos publicados, aqui). Também registrava histórias pessoais, como suas aventuras com as “Jennifers”, codinome que dava às suas jovens namoradas-amigas-pupilas. 

Mas não contou na imprensa nem um quinto de suas grandes histórias, como a prometida lá no começo deste texto. 

Numa noite de setembro de 1962, Zingg e o editor Robert Wool comemoravam no bar P.J. Clarke’s, em Nova York, a conclusão de uma grande matéria sobre música brasileira que haviam feito para a extinta revista “Show” quando, embalados por um dilúvio de whisky, como registra Ruy Castro em sua enciclopédia de Ipanema “Ela É Carioca”, tiveram uma grande e impossível ideia. 

 

Por que não fretar um avião e trazer os magníficos músicos de bossa nova para um show no Carnegie Hall,em Nova York. A revista jamais teria orçamento para tal, mas refeito da bebedeira, Zingg levou a centelha para a consulesa e poeta brasileira Dora Vasconcellos. Ela arregaçou as mangas e, em 21 de novembro de 1962, no lugar sonhado por Zingg, Tom Jobim, João Gilberto e companhia apresentaram a bossa ao mundo. 

Foi assim que o doce balanço a caminho do mar invadiu primeiro os EUA, depois o resto do mundo. Portanto, quando estiver no mercado em Tegucigualpa, no metrôem Ulan Bator ou numa sauna em Vladivostok e topar com a coisa mais linda que já viu passar, lembre-se do Tio Dave.

                              

Post-scriptum: Para ver mais retratos feitos por Zingg, de João Gilberto, Dorival Caymmi, Oscar Niemeyer, Leila Diniz, JFK, Juscelino, Pelé e Tostão, entre outros, visite este link aqui .

 

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