ElekistãoLiteratura – Elekistão http://elekistao.blogfolha.uol.com.br Notas sobre o universo cultural e adjacências Tue, 19 Nov 2013 04:14:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Clarice Lispector de almanaque http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/10/26/clarice-lispector-de-almanaque/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/10/26/clarice-lispector-de-almanaque/#comments Sat, 26 Oct 2013 02:45:32 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=677 Continue lendo →]]> Se num vestibular, numa rodada de “Master” ou no “Show do Milhão” você tivesse que identificar o autor da citação a seguir dificilmente tascaria o X no lugar certo (com ou sem ajuda de universitários). “Minha garotinha está sempre derramando suco de frutas sobre as toalhas de mesa. Há algum meio de resolver essas marcas tão desagradáveis?  Goma em pó aplicada imediatamente costuma remover essas marcas tão desagradáveis”.

Alessandra Maestrini, em cena de “Correio Feminino”, série inspirada em Clarice Lispector

Believe-me, trata-se de um legítimo Clarice Lispector, de 1959, quando a autora já havia publicado três romances, incluindo “Perto do Coração Selvagem”. Mas, verdade seja escrita, também não é um legítimo Clarice Lispector. Ela o escreveu, sim, mas sob o pseudônimo de Helen Palmer, para a coluna “Correio Feminino – Feira de Utidades”.

Este “almanaque” feminino, que a autora publicou por três anos no jornal “Correio da Manhã”, agora ganha as TVs de todo o país.  Os textos de Palmer (e outros que Lispector publicou sob as alcunhas de Teresa Quadros e de Ilka Soares, neste caso como ghost writer da atriz) são a fonte de inspiração da série “Correio Feminino”, que o Fantástico exibe a partir de amanhã (27), na Globo.

Estrelada por Maria Fernanda Cândido, Cintia Dicker, Luiza Brunet e Alessandra Maestrini, a série em oito episódios foi concebida e dirigida por Luiz Fernando Carvalho, responsável por mais de uma dúzia de grandes adaptações de boa literatura brasileira para TV e cinema. Sob o pseudônimo de Folha, o Elekistão entrevistou Carvalho por e-mail. E a íntegra da conversa segue abaixo.

Cintia Dicker, no estilo “bem verão”, em cena de “Correio Feminino”

Você tem um trabalho consistente de adaptação do melhor da literatura brasileira, de Machado de Assis a Raduan Nassar. Embora Clarice Lispector esteja na ponta de qualquer cânone brasileiro sua “heterônima” Helen Palmer nunca foi um projeto de ambição literária. Como foi o desafio de trabalhar neste registro?

Sou leitor de Clarice há anos, não apenas de seus romances, mas de suas correspondências e contos, e confesso que só há pouco tempo me deparei com sua fase jornalística: um universo híbrido, um gênero novo e consequentemente uma forma nova para mim, uma espécie de jogo de esconde-esconde da escritora com ela mesma. Procurei entender quem exatamente estava diante de mim. Não era Clarice, a pessoa física, como alguns pensam, expondo-se em linguagem natural e direta por meio de cartas às redações dos jornais. Era, sim, mais uma de suas criações — Helen Palmer —, onde, mais uma vez, as fronteiras que delimitam o espaço afetivo entre vida e obra encontrava-se pulverizado. Não aceito a condenação de alguns, que, no intuito de derrubar os almanaques em relação a seus grandes romances, não o enxergam como produção digna da obra de Clarice. É preciso ler mais uma vez os almanaques sem o preconceito de um gênero de época. Clarice está em tudo, até mesmo a verve da escritora de “A Paixão Segundo G.H.”, em um jogo quase metalinguístico, a um só golpe distanciado e próximo. Então o maior desafio foi o de não aceitar a pecha de subliteratura, percebendo com alegria, sim, por que não?, o rigor e a delicadeza dela ao tratar de temas aparentemente tão triviais.

Você tem diversos trabalhos centrados no universo da mulher, mas “Correio Feminino”, o nome já indica, é o mergulho mais radical nesse sentido. De que modo essa experiência te ajudou a refletir “afinal, o que querem as mulheres?”?

Não passo de um aprendiz de observador do humano e, como você sabe, há muitos mistérios insondáveis nesta seara. Não será em um único trabalho que daremos conta de (confesso!) certas obsessões. Também não precisaria ir aqui muito além, o feminino está presente em toda a história da arte. Não colhi respostas satisfatórias ou finais em meus trabalhos anteriores. O feminino me traz um sentido de natureza, de força primordial, lugar onde preciso voltar sempre, meu cosmo, minha placenta espiritual, de onde puxo o novelo — ou seria o cordão umbilical? Pouco importa, de lá vou puxando tudo! Afinal, o que querem os homens? Os adolescentes? As criança? O que quer o dono de banco, o pedreiro, a bailarina, os professores? Afinal, o que quer o ser humano?

Existe uma crítica bastante comum no universo acadêmico à identificação exacerbada de Lispector com o rótulo de “literatura feminina”. Até que ponto isso representou uma preocupação para ti ao adaptar o que há de mais escancarado “feminino” (ainda que não sob o nome de Lispector) da produção dela?

Esta visão nunca me atrapalhou, talvez por nunca ter lido sua produção através deste viés, sem dúvida nenhuma, limitador. Em “Correio Feminino” procuramos fazer um recorte segundo o qual a atemporalidade dos temas fosse preponderante ao cotejarmos com o feminino de hoje; ou seja, capítulo a capítulo, lançaremos a mesma pergunta: as mulheres dos 1960 para cá permaneceram as mesmas? Grandes avanços aconteceram, mas me parece que muitas questões continuam abandonadas. Em que aspectos evoluíram? Em que aspectos estacionaram? Sem falar que o que se convencionou chamar de feminino me parece hoje algo muito mais amplo, são questões que vão além das mulheres, como disse antes, elas alcançam e representam questões humanas e sociais mais abrangentes, transpassando até mesmo a ideia dos gêneros. O feminino está em tudo: na delicadeza, na ética, na criação. Não ha nada no mundo que não passe pelas coordenadas míticas do feminino e suas transformações insondáveis. E isto, no meu modo de sentir, é pura Clarice.

Luiza Brunet se enfeita em cena de “Correio Feminino”

Ainda que a série tenha elementos de época, como câmeras, microfones, rádios, vestuário, a linguagem visual parece bastante contemporânea, tanto na luz, quanto em recursos gráficos como a divisão de telas e o uso das cores. Isso foi intencional? Até que ponto o conselho para a mulher dos anos 1960 faz sentido para a mulher de 2013?

É uma reflexão para os espectadores. Não acredito em verdades absolutas, é apenas um papo. E um papo pop, no sentido de uma cumplicidade entre amigas, confidentes, mas em um tom de almanaque, ou seria de Facebook? Não seria muito diferente do que acontece em alguns sites e blogs de hoje: modernos, mas com um sentimento e sem perder o estilo. Questões ligadas ao afeto, às relações e aos cuidados consigo mesma podem nos parecer mais coladas aos dias de hoje, mas me parecem eternas. Foi divertido cotejar estes espaços da subjetividade feminina, criando um diálogo não só entre épocas, mas, principalmente, entre as convenções do que vem sendo denominado historicamente como feminino .

Quando sugeri escrever sobre a série, o chefe de reportagem da “Ilustrada” me respondeu: “Legal, é uma série com cores meio Almodóvar, não?”. Você tinha o cineasta espanhol (ou algum outro em especial) em mente quando concebeu o projeto? 

Não, não (risos). Mas há uma coincidência engraçada aí! Numa conversa ontem eu clamava pela necessidade de um olhar mais feminino na produção audiovisual brasileira. O Brasil conviveu, desde sempre,  com cineastas brilhantes, mas sinto falta desse olhar. E não quero dizer com isso que este olhar tenha que vir necessariamente de uma cineasta, poderia surgir de um cineasta, como o Almodóvar, eu dizia. Mas não. Não recorri a ele como referência. Minhas pontes foram com a propaganda de revistas femininas da época, que, por sua vez, já continham muitas cores e um excelente design.

A coluna de Clarice tinha o subtítulo “Feira de Utilidades” e um caráter de “almanaque”, feita de pequenas notas de variedades. Como foi a adaptação destes fragmentos, curtinhos, numa narrativa mais extensa?

De saída, gostaria de sentir a voz de Clarice falando para gerações diferentes. Isso traria uma dinâmica narrativa ao programa. Então imaginei as três idades. Depois, chamei a Maria Camargo para recortarmos os fragmentos que mais nos interessavam e criar o texto final. Foi então que imaginei uma narrativa sem contracampo, fluida, musical, que dispensaria portas e janelas, cenários, ruas, todo aquele vocabulário naturalista, elevando a linguagem a um exercício narrativo que privilegiaria a voz de Helen Palmer. O cenário é a voz. Ela criaria um contraste com elementos clássicos da construção das imagens, como as cores, a luz e os figurinos. Desde sempre pensei que apenas precisaríamos dar tridimensionalidade a um almanaque, com um certo sopro de modernidade, claro.

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Ruffato "deu a real" http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/10/09/ruffato-deu-a-real/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/10/09/ruffato-deu-a-real/#comments Wed, 09 Oct 2013 12:25:29 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=650 Continue lendo →]]> O Elekistão está em Frankfurt, terra de grandes conexões financeiras e editoriais (e das piores conexões de internet do mundo _Aral, Omsk e Dudinka incluídos), e o assunto são dois só: a paulada que foi a fala do escritor Luiz Ruffato e o vexame que passamos (eu, você e o Tonho) com o depoimento de um certo vice-presidente. Os dois tomavam parte, você sabe, do elenco escalado para discursar na abertura da feira de livros local. O Brasil, você também sabe, é o homenageado este ano aqui na terra do rio Meno.

Nunca antes, ou ao menos muito pouco frequentemente, a soma do quadrado dos catetos foi tão distante do quadrado da hipotenusa.

Goste-se ou não (e, ao que consta, o único que não gostou foi, sabe-se lá por que, o Ziraldo), Ruffato “deu a real”. “Dar a real”, você sabe, é dizer algo “na lata”. Que maravilha que é o Brasil, mas, né? Releia, se os provedores frankfurtianos permitirem, o discurso neste link aqui [ok, não consegui e incluo no pé {ok2, não consegui e indico a vocês que consultem um bom espaço da rede mundial dos computadores, a folha.com}].

A ilustração do que o autor de Cataguazes (MG) queria dizer, ou disse, veio a cavalo.

O vice-discurso, feito pouco depois, foi presidencialmente detraqué. Você não verá a íntegra, nem aqui nem alhures. Se alguém gravou (eles eram mais de 2000 na sala) provavelmente já mandou para o Vladivostok digital.

Bem, o pessoal que escolheu o slogan do Brasil em Frankfurt até que anteviu. “Um país de muitas vozes”, é como temos sido apresentados por aqui.

Podemos ficar com a do Ruffato, desta vez?

P.s. Este poust está pequeno, enigmático e sem fotos, eu sei, ó povo do Elekistão. Mas contra tudos e tod@s ganhou reforço às vésperas de ser pregado no mural: numa lufada do servidor, consegui buscar o discurso supracitado, e ele é este aqui:

 

“O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças.

O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro –é a alteridade que nos confere o sentido de existir–, o outro é também aquele que pode nos aniquilar… E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença.

Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas – ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.

Até meados do século 19, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, jornalistas, artistas plásticos, cineastas, escritores.

Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania –moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade–, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém…

Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios –o semelhante torna-se o inimigo.

A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.

Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados.

Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade.

E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução.

O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais –ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples.

A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.

Mas, temos avançado.

A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia – são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.

Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, mas privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis.

Nós somos um país paradoxal.

Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo –amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão de obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.

Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos…

Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?

Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro –seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual– como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora.”

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O pescoço de Orwell http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/09/25/o-pescoco-de-orwell/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/09/25/o-pescoco-de-orwell/#comments Wed, 25 Sep 2013 21:05:05 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=635 Continue lendo →]]> Uma bala perfurou a garganta de George Orwell na madrugada de 20 de maio de 1937, em Huesca, no nordeste da Espanha. O escritor britânico, nascido na Índia, militava numa organização de origem trotskista que combatia a tenebrosa trupe do general Franco. O lenço que ele levava amarrado ao pescoço ficou manchado de sangue. No próximo dia 3 de outubro, o tal pedaço de pano estará numa vitrine da casa de leilões Dreweatts & Bloomsbury, em Londres.

Quatro lenços de Orwell, entre eles o “manchado de sangue” (o da esquerda)

Ele integra o lote 239, com quatro lenços que pertenceram ao autor de “1984”.  Podem ser seus por (estima-se) algum valor entre R$ 2800 e R$ 4300.

O Elekistão não investiria em lenços levemente manchados de sangue. Sin embargo, recomenda aos que dispõem de R$ 52,50 que comprem o recém-publicado livro “Uma Vida em Cartas”, do mesmo George Orwell, lançamento da Companhia das Letras.

No volume de correspondências, que reúne cartas escritas entre  1911 e 1949, é possível ler sobre galinhas (não as que protagonizam seu célebre “A Revolução dos Bichos”, mas o par de galináceos que ele criou quando viveu no Marrocos), sobre Napoleão (o imperador, não a tartaruga), sobre conhaque e, de raspão, sobre o tiro que Orwell levou no pescoço quando combatia o fascismo na Espanha.

Desenho feito pelo comandante George Kopp do tiro tomado por George Orwell na Espanha, reproduzido em “Uma Vida em Cartas”

Orwell fala bem pouco sobre o episódio, também abordado en pasant em seu livro “Homenagem à Catalunha” (publicado aqui como “Lutando na Espanha”, pela Globo Livros, atualmente esgotado). Sua mulher, Eileen, que também estava no front, limita-se a mandar um telegrama aos pais do escritor dizendo: “Eric levemente ferido excelente progresso manda amor nenhuma necessidade de ansiedade Eileen”.

Eric, vale dizer, era o nome real do autor. George Orwell era o pseudônimo de Eric Arthur Blair, sujeito que, mesmo nas cartas, pouco expunha de sua vida pessoal (e assim era o criador do termo Big Brother, vejam só).

George Orwell (1903-1950)

Como expressa o jornalista e escritor Mario Sergio Conti, em texto sobre os critérios usados por ele na seleção das cartas do volume brasileiro (compiladas originalmente por Peter Davison), “as cartas de Orwell mostram um escritor pouco parecido com boa parte dos de hoje”.

“As suas observações não tem nada de mesquinho. Ele não faz fofocas literárias, não imagina uma carreira nas letras, não se promove, não quer ganhar dinheiro, não sabe o que é moda”, continua Conti. “Sobrevive mais que modestamente, passa frio, anda a pé, não se queixa de nada. Faz isso para estar junto com os pobres e trabalhadores, para entendê-los, e para viver na prática as suas ideias _ e ser um escritor fiel ao seu tempo e a si mesmo.”

“A Revolução dos Bichos” (primeira edição)

Post-scriptum: No mesmo leilão, que terá como momento áureo (estimam os leiloeiros), o pregão de um exemplar original de “Pride and Prejudice”, de Jane Austen (pode valer até R$ 90 mil), há duas primeiras edições de Orwell, incluindo este acima, de “A Revolução dos Bichos”, lance mínino de R$ 1800.

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Os sonhos de ossos de Seamus Heaney http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/30/os-sonhos-de-ossos-de-seamus-heaney/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/30/os-sonhos-de-ossos-de-seamus-heaney/#comments Fri, 30 Aug 2013 14:25:36 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=552 Continue lendo →]]> Seamus Heaney, morto hoje, num hospital de Dublin, era o poeta clássico-clássico, destes talhados na Grécia Antiga, nos campos provençais, em ilhas cobertas de vulcões no extremo norte da terra.

O irlandês, o quarto sujeito em seu apertado país a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura (e James Joyce nem foi um deles), fazia poesia com natureza e com ossos, com frases como “Space is a salvo. We are bombarded by the empty air. Strange, it is a huge nothing that we fear“.

 

O poeta Seamus Heaney (1939-2013)

Um do poemas mais celebrados de Mr. Heaney, que ao longo de sua juventude assinava seus textos com o pseudônimo Incertus, era “Sonhos de Ossos”, bem traduzido para o português por José Antonio Arantes, para uma coletânea do poeta publicada pela Companhia das Letras. Seguem dois fragmentos.

 

Sonhos de Ossos

Osso branco achado
na pastagem:
a rude, porosa
linguagem do toque

e a amarelenta, estriada
impressão na relva –
um miúdo navio-túmulo.
Inerte como pedra,

sílex-sina, pepita
de greda,
toco nele de novo,
meto-o na

funda da memória
para atirá-lo contra a Inglaterra
e seguir-lhe a queda
em campos estranhos.

2

Osso-casa:
um esqueleto
nos velhos cárceres
da língua.

Rechaço
de dicções,
dosséis elisabetanos,
estratagemas normandos,

as eróticas flores de maio
de Provença
e os latins cobertos de hera
de clérigos

até o zangarreio
do bardo, o lampejo
férreo de consoantes
dividindo o verso.

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"Lolita" como você nunca viu http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/26/lolita-como-voce-nunca-viu/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/26/lolita-como-voce-nunca-viu/#comments Mon, 26 Aug 2013 16:57:55 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=528 Continue lendo →]]> Como boa parte das grandes ideias, a do editor americano Russ Kick era simples (e trabalhosa): convidar algumas dezenas dos maiores artistas gráficos contemporâneos para interpretarem, só com ilustrações, cenas de clássicos da literatura universal.

Funcionou : veja um exemplo —->

“A Revolução dos Bichos”, de Orwell, recriado por Laura Plansker

 

O trabalho acima integra o terceiro e último volume  da empreitada de Kick, que se chama “The Graphic Canon”, lançamento da editora Seven Stories Press. Neste tomo (são mais de 500 páginas) estão recriações gráficas de obras feitas a partir do início do século 20, a mais recente delas “The Infinite Jest”, de David Foster Wallace (1996), “lida” por Benjamin Birdie.

No total, considerados os três volumes, “The Graphic Canon” reúne 1600 páginas. A América do Sul aparece bem discretamente. A inglesa Kathryn Siveyer, por exemplo, interpreta três contos de Jorge Luis Borges (veja um exemplo abaixo).

Kathryn Siveyer recria o conto “As Ruínas Circulares”, de Borges

No começo de outubro,  a Seven Stories lançará uma caixa com os três volumes de “The Graphic Canon”.

Enquanto isso, espiamos aqui mais uma imagem de “Graphic Canon 3”:  “Lolita”, de Nabokov, como você nunca viu.

Cena de “Lolita”, no traço de Sally Madden

Outro clássico contemporâneo escrito por um russo, o maravilhoso romance “O Mestre e Margarida”, de Mikhail Bulgakov, foi recriado com elegância pelo inglês Andrej Klimowski.

“Mestre e Margarida”, interpretado por Andrej Klimowski

E o Elekistão termina este sobrevoo pela história gráfica da literatura universal com um divertido “snapshot” do famoso quarteto de aventureiros de “Mágico de Oz”, de L. Frank Baum, na visão do artista britânico Graham Rawle.

Os protagonistas de Oz vistos por Graham Rawle

 

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No Velho Oeste ele nasceu http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/21/no-velho-oeste-ele-nasceu/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/21/no-velho-oeste-ele-nasceu/#respond Wed, 21 Aug 2013 18:30:22 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=517 Continue lendo →]]> Elmore Leonard, morto na manhã de ontem em sua casa, aos 87, era aquele tipo de escritor que suscitava um espírito “Onde os Fracos Não Têm Vez” em seus leitores. E quando fui entrevistá-lo, há uma porção de anos, imaginei que do telefone sairia uma voz empoeirada, áspera, seca. Engano meu. Old Elmore, o grande mestre de Detroit, tinha um falar macio e delicado.  À época, conversamos sobre o relançamento de uma parte importante de sua literatura, menos conhecida do que seus livros urbanos e policiais: os westerns. Foi neste gênero que um dos grandes xerifes da literatura americana começou. Vale a pena (creio eu) ler de novo. Aí vai:

Capas de (alguns dos) livros de Elmore Leonard

Aos 75 anos, Elmore Leonard tem uma vasta carreira de crimes nas costas. O senhor magrela de olhos claros calcula já ter matado “muito mais de mil”. Mas não é a violência que elevou esse veterano da Segunda Guerra ao Olimpo.
Dono de uma das canetas mais rápidas das letras norte-americanas (ele se recusa a aderir aos computadores), o escritor já publicou 39 romances, que fizeram dele um dos maiores nomes do planeta na literatura calibre 38.
Os diálogos “na mosca” e a alvenaria original dos personagens seduziram uma multidão de leitores, sujeitos como o cineasta Quentin Tarantino, que declara a quatro ventos que seu autor predileto é Leonard, de quem já adaptou “Ponche de Rum” (o filme “Jackie Brown”) e a quem homenageia em “Kill Bill 2”, exibindo em uma cena cartaz do filme “Mr. Majestyk”, outra obra do escritor levada ao cinema.
O que poucos se lembram é que Mr. Leonard começou a carreira, redondos 50 anos atrás, com livros de faroeste. E que são dele pelo menos dois dos clássicos absolutos do gênero: “Hombre” (1961) e “Valdez Vem Aí” (1969), ambos filmados com sucesso.
E não é que alguma editora brasileira se deu conta disso? A Rocco está lançando os dois livros pela primeira vez no país, acompanhados de outros três westerns de Leonard, obras que abrem a “Coleção Faroeste”, por enquanto só com obras do autor de Detroit. Foi de lá que o “xerife” falou com a Folha. Leia a seguir trechos do “duelo”, sem mortos ou feridos.

Old Elmore Leonard

Folha – O faroeste, tanto na literatura quanto no cinema, vem perdendo força há décadas no seu habitat natural, os Estados Unidos. Qual o motivo dessa decadência?
Elmore Leonard – 
É uma longa decadência, que começou no final dos anos 50. Havia tantos programas de faroeste na TV que as pessoas sentiam que não precisavam mais ler as histórias. Revistas muito populares simplesmente deixaram de ser publicadas. Os westerns morreram com essas revistas “pulp”. Pouco depois, os filmes de faroeste começaram a perder público porque custava muito fazê-los e não se conseguia a mesma comoção obtida com um punhado de efeitos especiais.

Folha – Foi o declínio do western que o levou aos romances policiais?
Leonard – 
Exato. Quando comecei, nos anos 50, tinha vontade de escrever ou romance policial ou western e resolvi iniciar com o segundo. Quando vi que não agradava mais, mudei para os crimes.

Folha – A literatura faroeste do sr. foi influenciada pelo boom de filmes de faroeste nos anos 40 e 50?
Leonard – 
Mais do que me influenciar, os filmes me estimularam. Como havia boa probabilidade de vender os romances para o cinema, eu ficava instigado a escrever para ganhar dinheiro. E não era fácil. Escrevi “Hombre” em 1959 e só consegui publicá-lo dois anos depois. O filme é de 67.

Folha – Quais as diferenças entre seus faroestes e seus policiais?
Leonard – 
Não estou certo de que existam muitas diferenças. Em ambos, a ênfase é dada nos personagens, não nas tramas. As histórias só aparecem ao passo que vou escrevendo. Só quando já fiz cem páginas descubro o que vai acontecer com meus personagens.

Folha – Quais elementos não podem faltar em um western?
Leonard – 
Posso te dizer o que nunca fiz e que aparece em praticamente todos os filmes: a cena do duelo na rua entre o bonzinho e o malvado. Nunca usei isso, pois acho que nunca aconteceu. Nas pesquisas que fiz em jornais da época, se alguém queria matar outro alguém se armava o melhor que podia, ia até onde seu inimigo estava e começava a atirar. E eles não eram tão bons assim no gatilho, com aqueles .44 pesadões. Erravam os tiros o tempo todo.

Folha – Os tiros de .44 que os caubóis davam nos índios e outros traços de comportamentos deles deram ao gênero uma reputação de conservador. O sr. concorda?
Leonard – 
Os caubóis eram mesmo conservadores. Viviam estritamente pregando a ideia da lei. Não conhecemos a verdade sobre os caubóis. Mal sabemos que eram em boa parte negros.

Folha – O sr. mora há muitos anos em Detroit, tradicionalmente o coração da indústria automobilística dos Estados Unidos. O sr. também sabe “dirigir” cavalos?
Leonard – 
Faz muito tempo desde minha última cavalgada. Acho que foi em 1941. Saí para Montana com um grupo e fizemos uma viagem de três dias a cavalo. Não tive vontade desde então.

Folha – O sr. já disse que o western é seu gênero favorito, mas parou de escrever nesse gênero há tempos. O sr. não tem vontade de voltar ao “Velho Oeste”?
Leonard – 
Pois é, não escrevo um western desde 1979. Não tenho planos concretos de voltar ao western, embora seja sempre cobrado pelos leitores. Acho que histórias de caubóis não venderiam hoje.

Folha – Mas o sr. ainda se chateia com o número de cópias vendidas?
Leonard – 
É, vendo 100 mil exemplares de cada livro. Isso é bom, me coloca na lista dos “top” do “New York Times”. Mas não dá para me equiparar a John Grisham, que vende 2 milhões por livro. Isto sim é impressionante.

 

Post-scriptum: Em 2007, quando fiz a programação da Festa Literária Internacional de Paraty, convidei Elmore Leonard  para vir ao festival. Ele aceitou. Debateria com Denis “Sobre Meninos e Lobos” Lehane. Por motivos de saúde, Leonard cancelou três meses antes da Flip. Mas a saúde não o impediu de continuar produzindo bastante. De 2007 para cá, publicou quatro romances, o mais recente deles, “Raylan”, será publicado pela Companhia das Letras ainda este ano. 

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Passe livre http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/14/passe-livre/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/14/passe-livre/#comments Wed, 14 Aug 2013 18:38:22 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=497 Continue lendo →]]> Ninguém descreveu melhor um engarrafamento do que Julio Cortázar. No primeiro conto de “Todos los Fuegos el Fuego” (que título, não, senhoras e senhores?), o escritor franco-argentino descreve um congestionamento que dura meses, numa estrada que leva Fontainebleau a Paris. A boa nova é que o mais bonito trânsito da literatura mundial está de volta, em nova edição, a este congestionado país tropical. “A Autoestrada do Sul & Outras Histórias” (org. Sérgio Karam, tradução Heloisa Jahn, 21 tostões) é o nome de uma coletânea de contos que a editora gaúcha L&PM publica estes dias, em formato de bolso — cabe em qualquer porta-luva.

Engarramento com 13 mil carros de brinquedo, em Madrid

Escrita em 1964, “Autopista del Sur” é uma descrição minuciosa de um gigantesco  nó de carros, enlaçados sob o sol de agosto (e eu cito: “…O sol, que se punha do lado esquerdo da rodovia, derramava sobre cada automóvel uma última avalanche da geleia alaranjada que fazia ferver os metais e ofuscava a vista, sem que jamais uma copa de árvore desaparecesse completamente atrás de nós, sem que a outra sombra entrevista à distância se aproximasse a ponto de mostrar sem a menor dúvida que a massa de automóveis estava se movendo nem que fosse um pouquinho..”).

Os personagens do conto não têm nomes: cada um é tratado de acordo com o carro onde está empacado. Há o engenheiro do Peugeot 404, o homem pálido e solitário do Caravelle, os recém-casados do Volkswagen. Nas primeiras horas, cinco horas, eles avançam uns 50 metros (segundo os cálculos do engenheiro do Peugeot). Mas não muito mais nas horas e dias seguintes. E vem a fome, e a sede, o frio, o sono, as necessidades fisiológicas.

Pouco a pouco, a “sociedade” do engarrafamento vai se organizando. Um consegue água, outro, cobertores, uma das freiras à bordo do 2HP descola um sanduíche de presunto, enquanto o Ford Mercury e o Porsche traficam mantimentos. Motoristas se conhecem, se apaixonam, alguns até morrem.  E eis que, de golpe, do mesmo modo fantástico como havia se formado, a enorme maçaroca de carros começa a se mover.  E então…

“…todos corriam a 80 km/h na direção das luzes que cresciam pouco a pouco, já sem que se soubesse direito para que tanta pressa, para que tanta correria na noite entre carros desconhecidos onde ninguém sabia nada dos outros”

O jovem Cortázar, pronto para encarar um engarrafamento

Numa entrevista dada muitos anos depois sobre o conto, Cortázar (1914-1984) contou a origem (e sua leitura crítica) da história.

“Estava na Itália e li um ensaio que afirmava que os trânsitos não tinham nenhuma importância: me pareceu superficial e frívolo dizer isso. Os engarrafamento são um dos signos mais negativos desta triste sociedade em que vivemos, que provam a contradição com a vida humana, a busca pela desgraça, a infelicidade, a exasperação através da grande maravilha tecnológica que é o automóvel. Ele deveria nos dar a liberdade e está nos trazendo as piores consequências. Nunca havia estado num congestionamento quando escrevi o conto. É curioso que alguns meses depois de ter escrito a história passei por isso. Estive durante cinco horas numa estrada de uma província francesa num engarrafamento. Descobri com surpresa e com uma sensação de fatalidade que o começo do conto se repete quando você está num verdadeiro congestionamento. Você desce do carro, pede um cigarro para o motorista ao lado, blasfema contra a prefeitura, os automóveis e tudo o mais. E logo há um momento em que começa muito calor e começam os problemas físicos, e vem uma senhora e pede água, porque uma criança está chorando. Foi uma experiência impressionante me ver dentro de meu próprio conto..” 

Soa bastante familiar, não?

 

P.s. Em agosto de 2010, o conto de Cortázar se materializou numa estrada chinesa, a via que liga Pequim ao Tibete. Um engarrafamento ao longo de 100 quilômetros da rota demorou 11 dias para ser desbaratado. Leia aqui bom texto do escritor espanhol Vicente Verdú sobre o episódio. 

P.s.2  Além de ter exibido sua destreza no congestionamento, Cortázar teve ótima performance em alta velocidade. Em parceria com Carol Dunlop, com quem era casado, ele escreveu no início dos anos 1980 o maravilhoso “Os Autonautas da Cosmopista”, relatando uma viagem pela estrada, de Paris a Marselha. Está esgotado há um par de décadas no Brasil. 

P.s. 3 O livro “A Autoestrada do Sul & Outras Histórias” inclui, pasmem, outras histórias. Entre elas, está a joia “O Perseguidor”, inspirada no saxofonista Charlie Parker, um dos favoritos de Cortázar, ao som de quem estas anotações foram escritas.

 

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Êxtase com controle remoto http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/07/extase-com-controle-remoto/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/07/extase-com-controle-remoto/#respond Wed, 07 Aug 2013 20:44:52 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=482 Continue lendo →]]> Além de ser um dos maiores escritores vivos, o norte-americano Don DeLillo é também doutor honoris causa no Elekistão (saiba mais aqui). Por isso, a publicação de um novo livro do autor no Brasil tem de ser celebrada nestas terras. “O Anjo Esmeralda” é a primeira coletânea de contos deste escritor de romances “bonsai” (como “A Artista do Corpo”) e de catataus à “Submundo”.

Obra de DeLillo anotada por David Foster Wallace

No novo livro, que a Companhia das Letras leva agora às livrarias, DeLillo exibe uma literatura menos paranoica, mais lírica, como bem exemplifica o conto “Criação”, de 1979. É dele que este blog pinçou um trecho, reproduzido abaixo (na sempre competente tradução de Paulo Henriques Britto). É uma cena de prazer, de alívio e de fruição (ainda que seja, afinal trata-se de DeLillo, um “êxtase com controle remoto”):

 

“Abri os olhos e vi nuvens impelidas pelo vento — nuvens de vento em popa — e uma única fragata pendurada numa corrente de ar, as asas longas planas e imóveis. O mundo e todas as coisas nele contidas. Eu não era bobo de achar que estava vivendo algum momento primevo. Era um produto moderno, aquele hotel, planejado para dar às pessoas a sensação de que elas haviam deixado para trás a civilização. Mas se eu não era ingênuo, também não sentia vontade de alimentar dúvidas sobre aquele lugar. Tínhamos vivido meio dia de frustrações, longas idas e vindas num carro, e o toque refrescante da água doce em meu corpo, e a ave a sobrevoar o oceano, e a velocidade daquelas nuvens baixas, aqueles imensos píncaros a desabar, e a sensação de flutuar sem peso, girando lentamente na piscina, como uma espécie de êxtase com controle remoto, tudo isso me fazia sentir que eu sabia o que era estar no mundo. Uma coisa especial, sim. O sonho da Criação que brilha no limite da busca de quem viaja a sério”. (trecho do conto “Criação”, de “O Anjo Esmeralda”, p. 15).   

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Gtalking com o escritor http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/07/29/gtalking-com-o-escritor/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/07/29/gtalking-com-o-escritor/#respond Mon, 29 Jul 2013 15:00:58 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=433 Continue lendo →]]> No sábado publiquei na Ilustrada um texto apresentando o ótimo romance “Digam a Satã Que o Recado Foi Entendido”, que o Daniel Pellizzari lança agora pela Companhia das Letras.
Na semana anterior, havia feito uma entrevista com ele por Gtalk, mas só umas poucas aspas da conversa puderam ser encaixadas no texto em papel (que é este aqui).
Muitos trechos da conversa configurariam “spoiler”. Mas o Elekistão (que fica ao 170 km ao leste de Legresgrado, território onde se passa parte de “Dedo Negro com Unha”, primeiro romance do dito cujo) colheu e selecionou alguns trechos, publicados abaixo.

Ah, o próprio Pellizzari escreveu um bom post esclarecedor sobre o seu livro, que pode ser lido aqui. E no site www.cabrapreta.org há um bocado mais sobre o figura (lá é possível descobrir, entre outras coisas, que ele estreou na literatura com o volume “Contos de Daniel”, que publicou aos 6 anos de idade pela “Editora Batman”, adianta o título provisório de seu próximo romance, “Ser Elogiado, Não Ser Criticado, Ganhar, Não Perder, Ser Feliz, Não Ser Infeliz, Ser Reconhecido, Não Ser Ignorado”, reúne uma lista de todas as suas traduções e apresenta alguns “álbuns de recortes”, como “Gostosa Que se Acha Gorda – Para com Isso, Mulher”).

 

Dubh Linn Gardens, em Dublin, que aparece em cena de “Digam a Satã…”, de Daniel Pellizzari

Eu: Sobranceiro e fornido?
Daniel: Opa.

Eu: É bem marcante no livro a questão do desajuste dos personagens, a maneira como todos eles estão fora do prumo. Também me parece haver nele um niilismo muito engraçado…

Daniel: É um livro todo construído ao redor de desajustes, de certo modo. A Irlanda num período atípico, recebendo imigrantes ao invés de exportar gente. Imigrantes num país desacostumado com tantos estrangeiros morando por lá. E um monte de gente desencaixada de tudo gravitando nesse cenário.

Eu: O romance tem esta marca de ser narrado por seis personagens diferentes. Desde o início o livro foi pensado desta maneira, polifônica?

Daniel: (Só agora li sobre o niilismo: engraçado, não acho tão niilista assim. Alguns personagem encarnam isso, claro, como o Barry. Mas a Patricia, ao menos na minha cabeça, é alguém que não só insiste em enxergar um sentido, como tenta se engajar na construção dele, de uma identidade, de tudo). Mas com relação à pergunta, “desde o início” o livro foi muitas coisas, porque levei anos até descobrir como contar a história que tinha se formado na minha cabeça. Mas sempre foi em primeira pessoa, ainda que tenha pensado em algum momento em ter apenas dois narradores (Magnus e Laura). Não deu muito certo, e eu queria explorar mais o pessoal da Família [seita neocelta da qual participam alguns personagens do livro], então as vozes foram se acomodando de acordo com os pontos de vista conflitantes ou complementares que eu queria mostrar.  Tem todo esse jogo de percepções, de situações que se iluminam ao aparecerem pelos olhos de outra pessoa, e a melhor maneira de fazer isso é com polifonia. Pelo menos pra mim. E também estava com vontade de escrever em primeira pessoa, porque nunca tinha usado muito esse tipo de narrador. Como meu maior interesse era explorar a vida interior dos personagens, tudo se encaixou.

Eu: Quando foi a viagem a Dublin?

Daniel: Fui em outubro de 2007. Fiquei 32 dias e voltei depois do Halloween

Eu: Você já conhecia a Irlanda?

Daniel:  Não, nunca tinha saído da América do Sul. Só Argentina, Uruguai, aquela coisa. (“Nunca tinha saído do Rio Grande do Sul”, então).

Eu:  As referências aos lugares de Dublin foram todas realistas ou você inventou ruas, lanchonetes (com o melhor milk-shake do mundo), casas e tudo o mais mas? Por exemplo, você esteve no número 7 da Asgard Road, onde a “Família” se encontrava?

Daniel: Todos os lugares existem, daria até pra fazer um site com todas as referências no Google Maps. Estive na casa da Asgard Road várias vezes. Ela estava à venda, inclusive. Tentei fazer uma visita como possível comprador, mas não rolou. Nunca conseguiram vender. Logo estourou a bolha imobiliária, e agora (olhei semana passada) está pra alugar. Eu usei as fotos internas do folheto da imobiliária pra conhecer a casa por dentro.

Eu: Você tinha duas premissas, a história se passar em Dublin e incluir uma história de amor…

Daniel: Isso.

Eu: Você acha que ao olhar do leitor tem muito amor no romance?

Daniel: Não posso falar quanto ao olhar do leitor, mas para mim tem várias histórias de amor no livro. Inclusive uma importante.  Bem torta. Mas todas são.

Eu: Mas voltando ao amor, quando eu falava do niilismo eu pensava que, no romance, mesmo o amor parece não valer muito a pena, como se fosse algo que tenhamos de viver,
mas que é claramente fadado a ser um “problema”.

Daniel: É mais desencanto que niilismo. Desajuste e desencanto, duas coisas que aparecem o tempo todo. Mas os personagens reagem de modo diferente. Acho que disso também vem o humor, que é mesmo presente, mas não é exatamente um humor de comédia. É como o condenado gargalhando diante da forca. A risadinha de patíbulo, pra conseguir lidar com coisas que parecem impossíveis de vencer. Onde tem pessoas existem problemas, não consigo enxergar o amor escapando a essa lógica.

Eu: os personagens, além de desajustados e desencantados, são muitas vezes ingênuos, não acha?

Daniel: Não sinto eles como especialmente ingênuos, no sentido de mais ingênuos que a maioria. São só tipos variados de ingenuidade. Porque até os personagens mais cínicos, até céticos, como o Barry, que é de fato mais niilista, também tem sua ingenuidade. Mas todo mundo tem. É outra coisa inescapável. Um dos títulos do livro foi “Todo mundo”, por sinal.
Troquei porque era ruim e pernóstico. E porque era uma referência tonga a Joyce, coisa que eu queria evitar com todo o vigor do mundo.

Eu: O livro tem muitas referências ao ocultismo. De onde vem o interesse pelo tema?

Daniel: Meu interesse é mais por fenômenos à margem, mesmo. É uma mistura de empatia, porque me identifico com elas desde moleque, com o fascínio gerado por ter conhecido nas minhas andanças muitas pessoas que só consigo definir como “bem diferentes”, e visto como funcionam, como veem o mundo. Lidar com isso em ficção é uma maneira de tentar entender melhor essas pessoas, e ao mesmo tempo de dar voz a elas. Sei que isso pode parecer meio arrogante -quem sou eu pra dar voz a alguém?- mas, enfim, escrever ficção é isso. Eu gosto de tentativas de ordenar o mundo, em geral -o que vale pra definir qualquer coisa, no fim. Ocultismo e religiões me interessaram desde sempre porque têm uma estética muito pronunciada e particular, e de certo modo lidam com o mundo dessa forma marcadamente estética: cabala, por exemplo, com a árvore de sefirot, todos aqueles símbolos, tabelas e esquemas. E como eu também funciono desse jeito, não tinha como eu ir para outro lado. Então é um universo no qual mergulhei muito cedo e que, naturalmente, moldou muitas coisas na minha personalidade. 

Eu: Mas assim como o seu livro possivelmente só pudesse ter sido escrito por alguém que se interessa pelo ocultismo também há um olhar irônico em relação a esse universo. Por quê?

Daniel:  Que de certo modo também só poderia ser escrito por alguém com vivência nesse universo. Porque pelo menos na minha cabeça tem isso, mas tem ao mesmo tempo alguma empatia. Não escrevo sobre essas coisas para “ser diferente” ou algo assim. São só os limites do meu mundo, é o que eu consigo expressar, são os personagens e situações que consigo criar. Não tem nada autobiográfico, mas é claro que nasceram das coisas que vi e vivi. 
Os Homens Grandes de Órion, todavia, e todos os delírios relativos a eles, são retirados ipsis literis de uma esotérica que conheci.

Eu: Puxa…

Daniel: Bem o tipo que eu conheci muito e usei pra compor o Demetrius, misturando com a esquizofrenia sem limites.  É um livro quase real-naturalista, pra mim.

Eu: Quando os “terroristas” que fazem uma ponta no romance estão roubando a múmia falam sobre o dedo negro dela.  É uma citação do romance anterior ou só uma coincidência?

Daniel: Citação. Minha literatura mudou, mas tem coisas que são imortais. Mas o dedo da múmia de fato é negro, de tanto que passam a mão nele. Tem duas referências no livro ao dedo, o avô da Patricia menciona uma seita que venera um deus que protege o mundo de um novo dilúvio e que não tem um dos dedos.

Eu: Uma coisa que me ocorreu enquanto lia o livro é que muitas vezes parece um romance de um autor de língua inglesa e fiquei pensando até que ponto sua atividade de tradutor e seu envolvimento como leitor de muita literatura de língua inglesa influenciou isso.

Daniel: Eu leio muito mais em inglês. Já li bastante coisa de literatura em língua portuguesa, e sigo acompanhando a literatura brasileira contemporânea, tanto como leitor quanto com olhos do editor que nunca deixei de ser [ele fundou, com Daniel Galera e Guilherme Pilla uma editora chamada Livros do Mal, que publicou seus primeiros volumes de contos]. E acho que enfim a literatura brasileira está entrando em grande fase. Mas a maior parte das coisas contemporâneas que leio e que me empolgam e, claro, acabam influenciando, são de língua inglesa. Acho que essa sua interpretação tem a ver com a locação, também. E de certa forma tem uma prosódia meio anglófona em alguns personagens, porque eu sempre imaginei eles falando em inglês. Por motivos óbvios.

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Bolaño, estrela distante http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/07/18/bolano-estrela-distante/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/07/18/bolano-estrela-distante/#comments Thu, 18 Jul 2013 14:01:26 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=385 Continue lendo →]]> Nesta mesma semana julina, dez anos atrás, num hospital no norte de Barcelona, quase em frente a uma rua chamada Poesia, morreu o escritor Roberto Bolaño. Tinha 50 anos e um “assento permanente na literatura mundial”, como escreveria a crítica americana Susan Sontag.

Sobre o chileno magrelo e misterioso, cuja literatura continua a soprar mundo afora (a valente editora New Directions publicou esta semana um volume de 766 páginas  nos Estados Unidos [veja só você…] com seus belos e estranhos poemas, inéditos no Brasil […], na África do Sul, na semana que vem, estreia o filme italiano “Il Futuro”, de Alicia Scherson, baseado em seu livro “Una Novelita Lumpen” , e esta noite, em São Paulo um grupo de leitores se reúne para debater seu romance “Uma Estrela Distante”, mais detalhes aqui), já se escreveu um bocado. Até no Elekistão, que chegou a enviar um emissário diplomático à pequenina cidade catalã chamada Blanes, onde o autor de “2666” fizera seu ninho (vale a pena ler de novo, aqui). Só restava, pois, trazer as palavras do próprio Bolaño sobre Bolaño. Em 1999, quando ganhou o prêmio literário Romulo Gallegos, ele redigiu um “Autorretrato”. O texto foi publicado, postumamente, no volume “Entre Paréntesis” (editora Anagrama,  2004). E é mais ou menos assim.

*

Nasci em 1953, o ano em que morreram Stálin e Dylan Thomas. Em 1973, estive oito dias detido pelos militares golpistas do meu país e no ginásio no qual mantinham os presos políticos encontrei uma revista inglesa com uma reportagem fotográfica da casa de Dylan Thomas no País de Gales. Eu achava que Dylan Thomas tinha morrido pobre e a casa me pareceu magnífica, quase como uma casa encantada no meio de um bosque. Não havia nenhuma reportagem sobre Stálin. Mas naquela noite sonhei com Stálin e Dylan Thomas: eles estavam num bar da Cidade do México, sentados a uma mesa pequena e redonda, uma mesa própria para uma queda-de-braço, mas eles não disputavam uma queda-de-braço e sim competiam qual deles aguentava beber mais. O poeta galês bebia whisky e o ditador soviético, vodka. À medida que o sonho transcorria, porém, o único que parecia cada vez mais mareado, cada vez mais à beira da náusea, era eu. Isso no que diz respeito ao meu nascimento. No que diz respeito aos meus livros, devo dizer que publiquei cinco volumes de poemas, um livro de contos e sete romances. Meus poemas quase ninguém conhece, o que pode ser bom. Meus livros de prosa têm alguns leitores fiéis, o que pode não ser merecido. Em ‘Conselhos de um Discípulo de Morrison a um Fanático de Joyce’ (1984, escrita em colaboração com Antoni García Porta), falo sobre a violência. Em ‘A Pista de Gelo’ (1993), falo da beleza, que dura pouco e cujo fim costuma ser desastroso. Em ‘A Literatura Nazista na América’ (1996) falo sobre a miséria e a soberania da prática literária. Em ‘Estrela Distante’ (1996), tento uma aproximação, bem modesta, ao mal absoluto. Em ‘Os Detetives Selvagens’ (1998), falo da aventura, que sempre é inesperada. Em ‘Amuleto’ (1999), procuro entregar ao leitor a voz arrebatada de uma uruguaia com vocação de grega. Omito o meu terceiro romance, ‘Monsieur Pain’, cujo argumento é indecifrável. Embora viva há mais de 20 anos na Europa, minha única nacionalidade é a chilena, o que não é nenhum obstáculo para que eu me sinta profundamente espanhol e latino-americano. Na minha vida, vivi em três países: Chile, México e Espanha. Exerci quase todos os ofícios do mundo, com exceção de três ou quatro que qualquer um com certo decoro sempre se negará a exercer. Minha mulher se chama Carolina López e meu filho, Lautaro Bolaño. Os dois são catalães. Na Catalunha, também, aprendi a difícil arte da tolerância. Sou muito mais feliz lendo do que escrevendo.” (tradução Cassiano Elek Machado)

 

Post-scriptum: Em latim, Felix significa feliz. Feliz está a Catalunha com o nascimento, ontem, numa maternidade de Barcelona, do bebê Felix. Tem 3,4 bem torneados quilinhos o primeiro (e maravilhoso) sobrinho do Elekistão. 

 

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