ElekistãoMemória – Elekistão http://elekistao.blogfolha.uol.com.br Notas sobre o universo cultural e adjacências Tue, 19 Nov 2013 04:14:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Adeus, ó, Elekistão http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/11/19/adeus-o-elekistao/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/11/19/adeus-o-elekistao/#respond Tue, 19 Nov 2013 04:11:13 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=702 Continue lendo →]]> Elekisteiros e Elekisteiras, é com luto e melancolia que este sultanato virtual se despede de seus idiossincráticos leitores.

Desafios altaneiros chegaram ao Outlook Express do titular deste espaço, que passa a se dedicar à Folha Ilustríssima (clique aqui para saciar sua curiosidade).

O Elekistão agradece a sua visita.

 

 

 

 

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O pescoço de Orwell http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/09/25/o-pescoco-de-orwell/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/09/25/o-pescoco-de-orwell/#comments Wed, 25 Sep 2013 21:05:05 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=635 Continue lendo →]]> Uma bala perfurou a garganta de George Orwell na madrugada de 20 de maio de 1937, em Huesca, no nordeste da Espanha. O escritor britânico, nascido na Índia, militava numa organização de origem trotskista que combatia a tenebrosa trupe do general Franco. O lenço que ele levava amarrado ao pescoço ficou manchado de sangue. No próximo dia 3 de outubro, o tal pedaço de pano estará numa vitrine da casa de leilões Dreweatts & Bloomsbury, em Londres.

Quatro lenços de Orwell, entre eles o “manchado de sangue” (o da esquerda)

Ele integra o lote 239, com quatro lenços que pertenceram ao autor de “1984”.  Podem ser seus por (estima-se) algum valor entre R$ 2800 e R$ 4300.

O Elekistão não investiria em lenços levemente manchados de sangue. Sin embargo, recomenda aos que dispõem de R$ 52,50 que comprem o recém-publicado livro “Uma Vida em Cartas”, do mesmo George Orwell, lançamento da Companhia das Letras.

No volume de correspondências, que reúne cartas escritas entre  1911 e 1949, é possível ler sobre galinhas (não as que protagonizam seu célebre “A Revolução dos Bichos”, mas o par de galináceos que ele criou quando viveu no Marrocos), sobre Napoleão (o imperador, não a tartaruga), sobre conhaque e, de raspão, sobre o tiro que Orwell levou no pescoço quando combatia o fascismo na Espanha.

Desenho feito pelo comandante George Kopp do tiro tomado por George Orwell na Espanha, reproduzido em “Uma Vida em Cartas”

Orwell fala bem pouco sobre o episódio, também abordado en pasant em seu livro “Homenagem à Catalunha” (publicado aqui como “Lutando na Espanha”, pela Globo Livros, atualmente esgotado). Sua mulher, Eileen, que também estava no front, limita-se a mandar um telegrama aos pais do escritor dizendo: “Eric levemente ferido excelente progresso manda amor nenhuma necessidade de ansiedade Eileen”.

Eric, vale dizer, era o nome real do autor. George Orwell era o pseudônimo de Eric Arthur Blair, sujeito que, mesmo nas cartas, pouco expunha de sua vida pessoal (e assim era o criador do termo Big Brother, vejam só).

George Orwell (1903-1950)

Como expressa o jornalista e escritor Mario Sergio Conti, em texto sobre os critérios usados por ele na seleção das cartas do volume brasileiro (compiladas originalmente por Peter Davison), “as cartas de Orwell mostram um escritor pouco parecido com boa parte dos de hoje”.

“As suas observações não tem nada de mesquinho. Ele não faz fofocas literárias, não imagina uma carreira nas letras, não se promove, não quer ganhar dinheiro, não sabe o que é moda”, continua Conti. “Sobrevive mais que modestamente, passa frio, anda a pé, não se queixa de nada. Faz isso para estar junto com os pobres e trabalhadores, para entendê-los, e para viver na prática as suas ideias _ e ser um escritor fiel ao seu tempo e a si mesmo.”

“A Revolução dos Bichos” (primeira edição)

Post-scriptum: No mesmo leilão, que terá como momento áureo (estimam os leiloeiros), o pregão de um exemplar original de “Pride and Prejudice”, de Jane Austen (pode valer até R$ 90 mil), há duas primeiras edições de Orwell, incluindo este acima, de “A Revolução dos Bichos”, lance mínino de R$ 1800.

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O choque-mate de Mr. Elliott http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/09/06/o-choque-mate-de-mr-elliott/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/09/06/o-choque-mate-de-mr-elliott/#respond Fri, 06 Sep 2013 18:34:52 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=563 Continue lendo →]]> O fotógrafo Elliott Erwitt acaba de fazer uma jogada arriscada, como a imagem abaixo comprova.

Jogo de xadrez registrado por Elliott Erwitt

Mestre da fotografia em branco e preto, ele lançou esta semana seu primeiro livro só com imagens coloridas. É bem verdade que, escondido sob o codinome de André S Solidor, ele havia publicado um volume repleto de cores, chamado “The Art of  André S Solidor” (2009), com imagens como esta maravilha abaixo. Mas Erwitt é Erwitt e Solidor é Solidor.

Foto de André S Solidor

Os dois têm em comum a mesma editora. A casa alemã teNeues, responsável pela compilação do exótico Solidor, é que lança agora o volume “Kolor” (disponível em versão padrão, por 125 dólares, ou com uma cópia assinada por Erwitt, por 2500 pratas). Não deve ter sido moleza realizar a seleção das imagens.

Aos 85 anos, o mestre da agência Magnum tinha um acervo de mais de 500 mil fotos coloridas, feitas com filmes Ektachrome e Kodachome, como as fotos abaixo.

Maior fotógrafo de cachorros do mundo, aqui coloca o cão no fim da fila

Direção agressiva, na visão colorida de Erwitt

Antes que revelasse este seu mundo full color, Erwitt esteve em São Paulo, em 2009, para uma palestra e uma entrevista. Escrevi o textinho abaixo, que recompartillho com os leitores do Elekistão.

O fotógrafo posa para Renato Parada

 Ele prefere os quadrúpedes

Era evidente o espanto nos olhos daquele vira-lata barbudinho, cor de farofa, que chafurdava os sacos de lixo na esquina da Martim Francisco com a Martinico Prado. “Eu não acredito!”, grunhia, enquanto tentava se recompor, diante da visão do senhor de cabelos brancos, suspensórios tricolores e sandália papette. “Não pode ser que Elliott Erwitt esteja aqui em Santa Cecília”, dizia seu rabo desajeitado, espanando de um lado pro outro, ao passo que se posicionava gisellebundchenmente para um retrato.

Talvez por estar sem a câmera Leica engatilhada na mão direita ou, mais provável, inebriado pela minha promessa de um suculento polpettone, que ele viria a enfrentar com louvor no vizinho Jardim de Napoli, Erwitt perdeu a pose daquele carismático saco de pulgas paulistano.

É raridade. Desde uma tarde fria de 1946, quando se deitou numa calçada de Manhattan para retratar um chihuahua paramentado com uma roupinha de lã, nenhum bípede fotografou cães tão bem quanto ele.

Nesta, que veio a ser a primeira das centenas de imagens clássicas capturadas por Mr. Erwitt, a ideia nem era fotografar o animalzinho de olhos esbugalhados. Recém-saído do exército americano, após a Segunda Guerra, Elliott havia sido contratado por uma revista semanal de Nova York para fazer um editorial de sapatos femininos. O ex-recruta, de 18 anos, pouco entendia de scarpins, sapatilhas e sandalinhas. Mas não titubeou. “Logo pensei nos cães. Ninguém vê tantos sapatos como eles”, relembra. Elliott Erwitt já demonstrava ter a qualidade inequívoca para um grande fotojornalista: faro.

O olfato apurado, não demorou muito, o conduziu à melhor agência fotográfica de todos os tempos. Chegou à Magnum Photos em 1953, convidado por um sujeito chamado Robert Capa, que fundara a agência seis anos antes com outro punhado de comparsas, entre eles Henri Cartier-Bresson.

É em parte por conta da mesma Magnum Photos que o fotógrafo há mais tempo em atividade da agência veio a São Paulo em setembro. Aos 81 anos, Erwitt visitou a capital paulistana para falar do ofício. As loas ao fotógrafo também foram rendidas com uma exposição de 60 de suas fotografias.

Há bem mais do que cãezinhos à mostra. Além de buldogues, terriers, poodles e chihuahuas, o velho Erwitt fotografou outros animaizinhos mais selvagens, como, digamos, Marilyn Monroe. “Marilyn? Ah, ela não era nada de mais. Em termos físicos ela era surpreendentemente pouco atraente. Mas era muito simpática e sensível. Muito inteligente”, conta. Então tá… Ele a fotografou uma porção de vezes. Numa de suas fotos mais conhecidas, a atriz aparece rodeada de uma turminha que inclui seu ex-marido Arthur Miller, John Houston, Montgomery Clift e Clark Gable. Aparentemente Erwitt nunca foi de fazer festa em torno de figuras conhecidas. E eles as fotografou às matilhas. De Che Guevarra a JFK, de Marlene Dietrich a Humphrey Bogart, de Yukio Mishima (pouco antes de cometer seu famoso harakiri) a Simone de Beauvoir. “Fotografar ‘celebridades’ é exatamente como fotografar ‘não-celebridades'”, expressa em seu antifotografês confesso. “A questão é achar o enquadramento correto e tentar encontrar algo único na pessoa. Nunca me intimidei com ninguém. Sempre pensava que mesmo o mais célebre dos seres sempre escova os dentes, como eu, a cada noite antes de ir para a cama.”

O fato de ter tido uma infância levemente cinematográfica talvez ajude. O norte-americano Elliott Erwitt não nasceu nos Estados Unidos, e não se chamava nem Elliott nem Erwitt. Sua cidade-natal foi Paris e a certidão de nascimento, de julho de 1928, leva o nome Elio Romano Erwitz. O pai era estudante de arquitetura, nascido em Odessa, na Ucrânia. A mãe vinha de família rica de mercadores de Moscou. Os dois se encontraram na mítica Trieste, na Itália, e foram para a França, onde nasceu o nosso personagem. Com ele ainda criança, mudaram todos para Milão, onde “Elio” viveu até os 10 anos. “Graças ao Mussolini é que eu sou americano”, brinca. A família Erwitz (depois Erwitt) escapuliu por pouco: tomaram o último navio a sair da Itália para os EUA, dia 1º de setembro: dois dias antes que a Guerra fosse declarada.

Na chuvosa semana em que chegou a São Paulo, Erwitt completava sete décadas de Estados Unidos. Em seu apartamento, em um vistoso prédio bege em frente ao Central Park, em Nova York, vive com a mulher, o cão terrier Sammy e itens como um alce que trouxe do Alaska, uma estátua em tamanho real de um policial japonês, uma coleção de buzinas de bicicletas, um…

As bugigangas ajudam a ilustrar um dos traços mais marcantes da fotografia de Erwitt: seu humor. Na concepção dele, fazer as pessoas rir é um dos maiores feitos que alguém pode conseguir. Mais invejáveis, para ele, são só os que, como Charles Chaplin, conseguem alternadamente fazer as pessoas chorar e rir. O humor de Erwitt não é propriamente o das videocassetadas. É manso; por vezes lírico, por vezes irônico. De todos os grandes fotógrafos do século 20, clube do qual tem  carteirinha, ele talvez tenha sido o que mais tenha feito as imagens sorrir. Mais recentemente chegou a investir na gargalhada fotográfica. Mestre das imagens em preto e branco, bem-humoradas, mas contidas, ele fez nascer um heterônimo chamado Andre S. Solidor, por meio do qual libertou suas imagens mais coloridas, kitsch e antijornalísticas (encenadas e manipuladas por computador). Essas acabam de ser reunidas no imponente livro “The Art of Andre S. Solidor”, da editora alemã TeNeues.

Dizem que fora dos livros, das fotografias e filmes (já que também assinou documentários e filmes mais comerciais para TV) Elliott Erwitt é um sujeito casmurro. Sim, e não. “Você tem ideia de quantos países já visitou?”, foi uma pergunta infeliz do sobrescrito, durante a degustação de polpettones. Erwitt, que em seus mais de 30 livros (oito deles só sobre cachorros), publica imagens que fez em Auschwitz e em Burma, em Tóquio e na Argentina, na Nova Zelândia e no Irã, responde candidamente: “Já fui a quatro países”. Faz uma pausa e complementa: “É, talvez mais”. Entre esses “quatro países” inclui-se o Brasil, que ele visitou mais de uma dezena de vezes, seja para registrar Brasília em construção, o sequestro de um navio na costa pernambucana, as ladeiras do Pelourinho ou as praias do Rio e de Búzios. “Elliott”, pergunto, “você deve achar as nossas praias muito bonitas, já que as visitou tantas vezes, não?” “É, as praias são bonitas. Mas não é por isso que eu vinha sempre ao Brasil. Era por causa de uma garota brasileira espetacular”. Mestre Erwitt sabe desconcertar.

O desconcerto é um de seus modus operandi de fotografar: mais aparente quando se trata dos cães. Em muitos de seus retratos caninos os animais estão saltando, latindo, sorrindo, uivando. Sabe por quê? Um akita que fazia seu trottoir nos Jardins pode dar seu testemunho. O cãozinho passava pela Alameda Franca, em frente à galeria 8 Rosas, quando foi surpreendido por latidos bravos. Vinham de um senhor de cabelos brancos e suspensórios. É. Elliott Erwitt late, e late alto, para os cachorros com os quais cruza no caminho. Late, e depois os fotografa. Bem, não é sempre que o faz. Para desgosto de um vira-lata cor de farofa, de Santa Cecília.

 

O clássico retrato canino de Erwitt, de 1946

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Os sonhos de ossos de Seamus Heaney http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/30/os-sonhos-de-ossos-de-seamus-heaney/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/30/os-sonhos-de-ossos-de-seamus-heaney/#comments Fri, 30 Aug 2013 14:25:36 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=552 Continue lendo →]]> Seamus Heaney, morto hoje, num hospital de Dublin, era o poeta clássico-clássico, destes talhados na Grécia Antiga, nos campos provençais, em ilhas cobertas de vulcões no extremo norte da terra.

O irlandês, o quarto sujeito em seu apertado país a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura (e James Joyce nem foi um deles), fazia poesia com natureza e com ossos, com frases como “Space is a salvo. We are bombarded by the empty air. Strange, it is a huge nothing that we fear“.

 

O poeta Seamus Heaney (1939-2013)

Um do poemas mais celebrados de Mr. Heaney, que ao longo de sua juventude assinava seus textos com o pseudônimo Incertus, era “Sonhos de Ossos”, bem traduzido para o português por José Antonio Arantes, para uma coletânea do poeta publicada pela Companhia das Letras. Seguem dois fragmentos.

 

Sonhos de Ossos

Osso branco achado
na pastagem:
a rude, porosa
linguagem do toque

e a amarelenta, estriada
impressão na relva –
um miúdo navio-túmulo.
Inerte como pedra,

sílex-sina, pepita
de greda,
toco nele de novo,
meto-o na

funda da memória
para atirá-lo contra a Inglaterra
e seguir-lhe a queda
em campos estranhos.

2

Osso-casa:
um esqueleto
nos velhos cárceres
da língua.

Rechaço
de dicções,
dosséis elisabetanos,
estratagemas normandos,

as eróticas flores de maio
de Provença
e os latins cobertos de hera
de clérigos

até o zangarreio
do bardo, o lampejo
férreo de consoantes
dividindo o verso.

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No Velho Oeste ele nasceu http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/21/no-velho-oeste-ele-nasceu/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/21/no-velho-oeste-ele-nasceu/#respond Wed, 21 Aug 2013 18:30:22 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=517 Continue lendo →]]> Elmore Leonard, morto na manhã de ontem em sua casa, aos 87, era aquele tipo de escritor que suscitava um espírito “Onde os Fracos Não Têm Vez” em seus leitores. E quando fui entrevistá-lo, há uma porção de anos, imaginei que do telefone sairia uma voz empoeirada, áspera, seca. Engano meu. Old Elmore, o grande mestre de Detroit, tinha um falar macio e delicado.  À época, conversamos sobre o relançamento de uma parte importante de sua literatura, menos conhecida do que seus livros urbanos e policiais: os westerns. Foi neste gênero que um dos grandes xerifes da literatura americana começou. Vale a pena (creio eu) ler de novo. Aí vai:

Capas de (alguns dos) livros de Elmore Leonard

Aos 75 anos, Elmore Leonard tem uma vasta carreira de crimes nas costas. O senhor magrela de olhos claros calcula já ter matado “muito mais de mil”. Mas não é a violência que elevou esse veterano da Segunda Guerra ao Olimpo.
Dono de uma das canetas mais rápidas das letras norte-americanas (ele se recusa a aderir aos computadores), o escritor já publicou 39 romances, que fizeram dele um dos maiores nomes do planeta na literatura calibre 38.
Os diálogos “na mosca” e a alvenaria original dos personagens seduziram uma multidão de leitores, sujeitos como o cineasta Quentin Tarantino, que declara a quatro ventos que seu autor predileto é Leonard, de quem já adaptou “Ponche de Rum” (o filme “Jackie Brown”) e a quem homenageia em “Kill Bill 2”, exibindo em uma cena cartaz do filme “Mr. Majestyk”, outra obra do escritor levada ao cinema.
O que poucos se lembram é que Mr. Leonard começou a carreira, redondos 50 anos atrás, com livros de faroeste. E que são dele pelo menos dois dos clássicos absolutos do gênero: “Hombre” (1961) e “Valdez Vem Aí” (1969), ambos filmados com sucesso.
E não é que alguma editora brasileira se deu conta disso? A Rocco está lançando os dois livros pela primeira vez no país, acompanhados de outros três westerns de Leonard, obras que abrem a “Coleção Faroeste”, por enquanto só com obras do autor de Detroit. Foi de lá que o “xerife” falou com a Folha. Leia a seguir trechos do “duelo”, sem mortos ou feridos.

Old Elmore Leonard

Folha – O faroeste, tanto na literatura quanto no cinema, vem perdendo força há décadas no seu habitat natural, os Estados Unidos. Qual o motivo dessa decadência?
Elmore Leonard – 
É uma longa decadência, que começou no final dos anos 50. Havia tantos programas de faroeste na TV que as pessoas sentiam que não precisavam mais ler as histórias. Revistas muito populares simplesmente deixaram de ser publicadas. Os westerns morreram com essas revistas “pulp”. Pouco depois, os filmes de faroeste começaram a perder público porque custava muito fazê-los e não se conseguia a mesma comoção obtida com um punhado de efeitos especiais.

Folha – Foi o declínio do western que o levou aos romances policiais?
Leonard – 
Exato. Quando comecei, nos anos 50, tinha vontade de escrever ou romance policial ou western e resolvi iniciar com o segundo. Quando vi que não agradava mais, mudei para os crimes.

Folha – A literatura faroeste do sr. foi influenciada pelo boom de filmes de faroeste nos anos 40 e 50?
Leonard – 
Mais do que me influenciar, os filmes me estimularam. Como havia boa probabilidade de vender os romances para o cinema, eu ficava instigado a escrever para ganhar dinheiro. E não era fácil. Escrevi “Hombre” em 1959 e só consegui publicá-lo dois anos depois. O filme é de 67.

Folha – Quais as diferenças entre seus faroestes e seus policiais?
Leonard – 
Não estou certo de que existam muitas diferenças. Em ambos, a ênfase é dada nos personagens, não nas tramas. As histórias só aparecem ao passo que vou escrevendo. Só quando já fiz cem páginas descubro o que vai acontecer com meus personagens.

Folha – Quais elementos não podem faltar em um western?
Leonard – 
Posso te dizer o que nunca fiz e que aparece em praticamente todos os filmes: a cena do duelo na rua entre o bonzinho e o malvado. Nunca usei isso, pois acho que nunca aconteceu. Nas pesquisas que fiz em jornais da época, se alguém queria matar outro alguém se armava o melhor que podia, ia até onde seu inimigo estava e começava a atirar. E eles não eram tão bons assim no gatilho, com aqueles .44 pesadões. Erravam os tiros o tempo todo.

Folha – Os tiros de .44 que os caubóis davam nos índios e outros traços de comportamentos deles deram ao gênero uma reputação de conservador. O sr. concorda?
Leonard – 
Os caubóis eram mesmo conservadores. Viviam estritamente pregando a ideia da lei. Não conhecemos a verdade sobre os caubóis. Mal sabemos que eram em boa parte negros.

Folha – O sr. mora há muitos anos em Detroit, tradicionalmente o coração da indústria automobilística dos Estados Unidos. O sr. também sabe “dirigir” cavalos?
Leonard – 
Faz muito tempo desde minha última cavalgada. Acho que foi em 1941. Saí para Montana com um grupo e fizemos uma viagem de três dias a cavalo. Não tive vontade desde então.

Folha – O sr. já disse que o western é seu gênero favorito, mas parou de escrever nesse gênero há tempos. O sr. não tem vontade de voltar ao “Velho Oeste”?
Leonard – 
Pois é, não escrevo um western desde 1979. Não tenho planos concretos de voltar ao western, embora seja sempre cobrado pelos leitores. Acho que histórias de caubóis não venderiam hoje.

Folha – Mas o sr. ainda se chateia com o número de cópias vendidas?
Leonard – 
É, vendo 100 mil exemplares de cada livro. Isso é bom, me coloca na lista dos “top” do “New York Times”. Mas não dá para me equiparar a John Grisham, que vende 2 milhões por livro. Isto sim é impressionante.

 

Post-scriptum: Em 2007, quando fiz a programação da Festa Literária Internacional de Paraty, convidei Elmore Leonard  para vir ao festival. Ele aceitou. Debateria com Denis “Sobre Meninos e Lobos” Lehane. Por motivos de saúde, Leonard cancelou três meses antes da Flip. Mas a saúde não o impediu de continuar produzindo bastante. De 2007 para cá, publicou quatro romances, o mais recente deles, “Raylan”, será publicado pela Companhia das Letras ainda este ano. 

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Bolaño, estrela distante http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/07/18/bolano-estrela-distante/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/07/18/bolano-estrela-distante/#comments Thu, 18 Jul 2013 14:01:26 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=385 Continue lendo →]]> Nesta mesma semana julina, dez anos atrás, num hospital no norte de Barcelona, quase em frente a uma rua chamada Poesia, morreu o escritor Roberto Bolaño. Tinha 50 anos e um “assento permanente na literatura mundial”, como escreveria a crítica americana Susan Sontag.

Sobre o chileno magrelo e misterioso, cuja literatura continua a soprar mundo afora (a valente editora New Directions publicou esta semana um volume de 766 páginas  nos Estados Unidos [veja só você…] com seus belos e estranhos poemas, inéditos no Brasil […], na África do Sul, na semana que vem, estreia o filme italiano “Il Futuro”, de Alicia Scherson, baseado em seu livro “Una Novelita Lumpen” , e esta noite, em São Paulo um grupo de leitores se reúne para debater seu romance “Uma Estrela Distante”, mais detalhes aqui), já se escreveu um bocado. Até no Elekistão, que chegou a enviar um emissário diplomático à pequenina cidade catalã chamada Blanes, onde o autor de “2666” fizera seu ninho (vale a pena ler de novo, aqui). Só restava, pois, trazer as palavras do próprio Bolaño sobre Bolaño. Em 1999, quando ganhou o prêmio literário Romulo Gallegos, ele redigiu um “Autorretrato”. O texto foi publicado, postumamente, no volume “Entre Paréntesis” (editora Anagrama,  2004). E é mais ou menos assim.

*

Nasci em 1953, o ano em que morreram Stálin e Dylan Thomas. Em 1973, estive oito dias detido pelos militares golpistas do meu país e no ginásio no qual mantinham os presos políticos encontrei uma revista inglesa com uma reportagem fotográfica da casa de Dylan Thomas no País de Gales. Eu achava que Dylan Thomas tinha morrido pobre e a casa me pareceu magnífica, quase como uma casa encantada no meio de um bosque. Não havia nenhuma reportagem sobre Stálin. Mas naquela noite sonhei com Stálin e Dylan Thomas: eles estavam num bar da Cidade do México, sentados a uma mesa pequena e redonda, uma mesa própria para uma queda-de-braço, mas eles não disputavam uma queda-de-braço e sim competiam qual deles aguentava beber mais. O poeta galês bebia whisky e o ditador soviético, vodka. À medida que o sonho transcorria, porém, o único que parecia cada vez mais mareado, cada vez mais à beira da náusea, era eu. Isso no que diz respeito ao meu nascimento. No que diz respeito aos meus livros, devo dizer que publiquei cinco volumes de poemas, um livro de contos e sete romances. Meus poemas quase ninguém conhece, o que pode ser bom. Meus livros de prosa têm alguns leitores fiéis, o que pode não ser merecido. Em ‘Conselhos de um Discípulo de Morrison a um Fanático de Joyce’ (1984, escrita em colaboração com Antoni García Porta), falo sobre a violência. Em ‘A Pista de Gelo’ (1993), falo da beleza, que dura pouco e cujo fim costuma ser desastroso. Em ‘A Literatura Nazista na América’ (1996) falo sobre a miséria e a soberania da prática literária. Em ‘Estrela Distante’ (1996), tento uma aproximação, bem modesta, ao mal absoluto. Em ‘Os Detetives Selvagens’ (1998), falo da aventura, que sempre é inesperada. Em ‘Amuleto’ (1999), procuro entregar ao leitor a voz arrebatada de uma uruguaia com vocação de grega. Omito o meu terceiro romance, ‘Monsieur Pain’, cujo argumento é indecifrável. Embora viva há mais de 20 anos na Europa, minha única nacionalidade é a chilena, o que não é nenhum obstáculo para que eu me sinta profundamente espanhol e latino-americano. Na minha vida, vivi em três países: Chile, México e Espanha. Exerci quase todos os ofícios do mundo, com exceção de três ou quatro que qualquer um com certo decoro sempre se negará a exercer. Minha mulher se chama Carolina López e meu filho, Lautaro Bolaño. Os dois são catalães. Na Catalunha, também, aprendi a difícil arte da tolerância. Sou muito mais feliz lendo do que escrevendo.” (tradução Cassiano Elek Machado)

 

Post-scriptum: Em latim, Felix significa feliz. Feliz está a Catalunha com o nascimento, ontem, numa maternidade de Barcelona, do bebê Felix. Tem 3,4 bem torneados quilinhos o primeiro (e maravilhoso) sobrinho do Elekistão. 

 

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Uma mulher notável http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/05/10/uma-mulher-notavel-2/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/05/10/uma-mulher-notavel-2/#comments Fri, 10 May 2013 20:40:31 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=306 Continue lendo →]]> Este abaixo é um dos começos mais bonitos -e tristes- que conheço de um romance.

Foto da série “My whole life”, do mestre italiano Mario Giacomelli

“Eu, naquele inverno, estava tomado de furores abstratos. Não direi quais, não é isso que me proponho a contar. Mas é preciso dizer que eram abstratos, nada heróicos, nem vivos; de qualquer maneira, furores pelo gênero humano perdido. Vinha assim há muito tempo, e andava cabisbaixo. Via manchetes nos jornais sensacionalistas e abaixava a cabeça; estava com os amigos, uma hora, duas horas, e ficava com eles sem abrir a boca; abaixava a cabeça; e tinha uma moça ou uma mulher que me esperava, mas nem com ela eu trocava uma palavra, mesmo com ela eu abaixava a cabeça. Chovia o tempo todo, passavam-se os dias, os meses, e eu tinha os sapatos furados, a água me entrando nos sapatos, e não era mais nada que isso: chuva, carnificinas nas manchetes dos jornais, e água nos meus sapatos furados, amigos mudos, a vida em mim como um sonho surdo, e não-esperança, calmaria. Isso era terrível: a calmaria na não-esperança. Dar o gênero humano como perdido e não ter vontade de fazer coisa alguma quanto a isso, nem vontade de me perder, por exemplo, com ele. Eu estava perturbado por furores abstratos, não no sangue, e ficava quieto, sem vontade de nada. Não importava que minha namorada estivesse me esperando, estar com ela ou não, ou folhear o dicionário, era para mim a mesma coisa; e sair para ver os amigos, ou ficar em casa, era o mesmo para mim. Estava quieto; como se nunca tivesse tido um dia de vida, nem jamais soubesse o que é ser feliz, como se nada tivesse a dizer, a afirmar, a negar, nada de meu para pôr em jogo, nada a escutar, a dar, e nenhuma disposição de ganhar, como se em todos os anos de minha vida nunca tivesse comido pão, bebido vinho, ou tomado café, nunca tivesse estado na cama com uma mulher, nunca tivesse tido filhos, nunca tivesse brigado a socos com alguém, ou não achasse tudo isso possível, como se eu nunca tivesse tido uma infância na Sicília, entre os figos-da-índia e o enxofre das minas, nas montanhas; mas, dentro de mim, eu me agitava com os furores abstratos, e pensava sobre o gênero humano perdido, abaixava a cabeça, e chovia, não dizia uma só palavra aos amigos, e a água me entrava nos sapatos.”  (Elio Vittorini; “Conversa na Sicília”; tradução Maria Helena Arrigucci e Valêncio Xavier, ed. Cosac Naify, 2002).

 

Reproduzo este trecho em memória a sua tradutora, Maria Helena Arrigucci, que morreu ontem, aos 74 anos, em São Paulo.

Leninha era uma mulher notável, um pequeno tornado que jamais imaginei que fosse se aquietar. Convivi quatro anos com ela, quando trabalhávamos na Cosac Naify. Aprendi muito. Seu entusiasmo intelectual, a maneira como saboreava a boa literatura _qualidade ímpar dos Arrigucci, como a matriarca da família e o grande irmão Davi_, era proporcional ao seu zelo profissional, na caça diária aos erros e errinhos (laçava com destreza “paralelismos” e “viúvas”).

Explosiva-divertida-falastrona-insistente-leal-meticulosa-punk-mafiosa-caipira, a grande pequena Maria Helena de São João da Boa Vista não passada batida em nenhum lugar. Dentro da editora, tampouco. Batalhava, com furores às vezes pouco abstratos, pelos projetos que tocava: podiam ser empreitadas épicas, muitas das quais tocadas a quatro mãos com o amigo Augusto Massi (como a caixa “Jean Vigo”, com dois livros de Paulo Emilio Salles Gomes sobre o cineasta ), livrinhos discretos e poéticos (por exemplo “Sardenha como uma Infância”, do mesmo Elio Vittorini) e ainda as obras da coleção “Mulheres Modernistas”, que ela apelidava de “as muié”: entre outras, Flannery O’Connor, Virginia Woolf, Gertrude Stein e, suponho que sua predileta, Natalia Ginzburg.

Em uma palavra, notável. O adjetivo que Leninha usava, sempre, de forma muito séria, diligente, para livros, escritores, “fitas” italianas, tradutores e tudo aquilo que mais admirava parece ser o único possível para encerrar esta despedida.

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