ElekistãoUncategorized – Elekistão http://elekistao.blogfolha.uol.com.br Notas sobre o universo cultural e adjacências Tue, 19 Nov 2013 04:14:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Por que não sou viúva de Saramago http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/16/por-que-nao-sou-viuva/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/08/16/por-que-nao-sou-viuva/#comments Fri, 16 Aug 2013 22:44:06 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=509 Continue lendo →]]> Entrevistei estes dias Pilar del Río, a presidenta da Fundação José Saramago. Ela veio ao Brasil para participar da cerimônia de relançamento de dois romances importantes do escritor português, como você pode relembrar clicando aqui. No texto, eu a tratava em dado momento como viúva de Saramago, o que foi reproduzido no título da reportagem.
Del Río escreveu para agradecer a matéria, mas para fazer algumas ressalvas. A livre tribuna elekistânica publica o email abaixo.

Pilar à frente de José (no filme “Pilar e José”)

“Uma coisa, para o futuro, se o tivermos: nunca fui, vida afora, uma esposa, e tampouco sou, agora, uma viúva. O papel de viúva ou que me apresentem como ‘a viúva’ me
deixa revoltada. Sou a companheira, ou a tradutora ou a PRESIDENTA, palavra que existe em português, está nos dicionários logo acima da palavra PRESIDENTE. Vamos ver se a mídia deixa de ignorar as mulheres que presidimos. E se começam a entender que há uma diferença entre função e quem desempenha a função: a pessoa que que preside é uma coisa, quem preside pode ser homem ou mulher e, nesse caso, será presidenta ou presidenta se as regras forem respeitadas. Sei que é um debate cansativo, mas muito mais cansativo é ver tantas pessoas bem instruídas, e tantos meios, cometendo um erro ortográfico que, além de tudo, revela uma concepção machista do mundo. Ainda mais quando quem governa o Brasil não se vê como um homem, mas sim como uma mulher que preside, ou seja, presidenta. A recusa de aceitar o nome das coisas só implica que não se aceitem as coisas. E que a mulher deve deixar estes lugares para o homem. Quando se aceitar o nome estará consolidada a função, e isso o poder não quer. Dilma é, para aqueles que têm o controle social, uma pausa entre dois homens.
Beijo e até a próxima.”
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O dia em que falei com Christo http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/07/31/o-dia-em-que-falei-com-christo/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/07/31/o-dia-em-que-falei-com-christo/#respond Wed, 31 Jul 2013 15:51:30 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=438 Continue lendo →]]> Nunca poderia imaginar que Christo falasse tão rápido. Imaginava uma conversa tranquila e pausada, zen. Mas o homem era uma metralhadora.

Falou por uma hora, deixando poucos espaços para as minhas perguntas.  Eu tinha uma porção delas. Não é sempre que se fala com Christo.

E antes que o trocadilho se perpetue, este post trata do famoso artista búlgaro naturalizado americano de 78 anos.

Christo, em seu ateliê, em Nova York, em foto de Wolfgang Volz

Ele é aquele, você sabe, que embrulhou uma porção de coisas pouco embrulháveis: o parlamento da Alemanha, a Pont-Neuf, em Paris, ilhas em Miami e um trecho da costa australiana.

O Reichstag embrulhado por Christo e Jeanne-Claude

A primeira vez que eu o vi pessoalmente, no final dos remotos anos 1990, na Feira de Frankfurt, ele e sua parceira (de vida e arte), Jeanne-Claude, davam uma entrevista coletiva, por conta do lançamento de um livrão retrospectivo da longa e importante trajetória deles.

O diabinho trocadilhista que vive pousado sobre meu ombro esquerdo me soprou uma pergunta engraçadinha para eu dirigir aos entrevistados. Mas a sala estava tão apinhada que mal dava para me aproximar. Mas desta vez, ao final de uma hora de conversa (séria), eu não me contive.

Christo, você tem planos de embrulhar o Cristo Redentor?

Ele sorriu (a educação é uma arte). E fez um breve silêncio.

Quem leu a entrevista que fiz com ele, publicada no domingo, na revista “Serafina” (quem não leu, por favor clique aqui), sabe que o artista nem mesmo trabalha mais com “embrulhos”. Vem tentando “desembaraçar” sua imagem deste estigma. 

Mas quando perguntei, ele sorriu. E complementou: “É. Isso seria interessante”.

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O taxista Jabuti http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/07/25/o-taxista-jabuti/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/07/25/o-taxista-jabuti/#comments Thu, 25 Jul 2013 12:16:19 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=398 Continue lendo →]]> Uma noite você estará em alguma avenida do Rio de Janeiro e vai estender seu braço, dedo indicador esticado, e um táxi amarelo vai frear e você vai pedir que te leve a um destino qualquer da cidade.

E quando você começar a puxar conversa com o motorista, toda aquela conversa mole sobre as condições climáticas e temas congêneres, o interlocutor vai rebater com Padre Antônio Vieira, Albert Camus ou Kierkegaard. A trilha sonora da sua corrida será Thelonious Monk, Rosa Passos ou o “Minueto em Sol Maior” de Bach. Se tiver sorte, o taxista vai te revelar que já ganhou um Prêmio Jabuti (e, quem sabe, até te dar um livro de contos escrito por ele).

Desenho do taxista e escritor Vário do Andaraí

Aconteceu comigo. Num preguiçoso fim de tarde carioca, um par de meses atrás, tomei a viatura de número 055 quase em frente ao Jockey Club da Gávea. Conversa vai, conversa vem, o motorista contou que escrevia. O Elekistão tem apreço profundo por essa árdua atividade, a da escrita, mas nem sempre se alegra quando o interlocutor revela-se subitamente um escriba (neste reino, só se desfruta da poesia quando ela não envolve alguém lhe esfregando um volume de versos na cara com a inquisição “VOCÊ GOSTA DE POESIA???”) . Não era o caso. O taxista estava na dele.

Já estava  saindo do carro amarelo quando ele comentou “en pasant” que tinha ganhado um Prêmio Jabuti. E ofereceu, de graça, um exemplar de um livro seu. Elder Antonio de Mendonça Figueiredo assina suas histórias como Vário do Andaraí. A explicação do pseudônimo? “Machado de Assis era o Bruxo do Cosme Velho. Miguel de Cervantes era o Manco de Lepanto, e Olavo Bilac era o Príncipe dos Poetas. Eu sou o Vário do Andaraí, figura anônima das ruas e vielas do bairro. Vário: singular do seu afamado. Nada. ”

Dedé, apelido não literário do motorista, escreve de verdade. Pode espiar no site dele, este aqui, onde publica desde sonetos e fábulas até crônicas, como as que ele reuniu no livro “Máquina de Revelar Destinos Não Cumpridos” (editora Dimensão) . Foi por este volume, lançado em 2010, que o chamado Vário do Andaraí ganhou um Jabuti, como segundo colocado na categoria Conto e Crônica.

O taxista e escritor Vário do Andaraí, em ação

A estatueta em forma de tartaruga não mudou a rotina. Ex-analista de sistemas, ex-boleiro e ex-dono de quiosque em Copacabana, ele gosta da praça. Roda quase sempre de noite e de madrugada. Nas outras horas, escreve e luta boxe (há uma luvinha preta balançando no retrovisor de seu carro). Atualmente, trabalha no texto de um espetáculo teatral, que deverá ser montado por um grupo de Belo Horizonte, num livro de arte de um pintor da região do Triângulo Mineiro e em legendas (em linguagem bíblica) para uma exposição de fotografias.

Vário, o variado, não para. E ainda te leva para qualquer parte do Rio.

 

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Uma Seleção Brasileira das Letras http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/03/08/uma-selecao-brasileira-das-letras/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/03/08/uma-selecao-brasileira-das-letras/#comments Fri, 08 Mar 2013 18:29:02 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=112 Continue lendo →]]> O Elekistão andou calado porque este “one man empire” estava em missão diplomática na Catalunha, como o leitor mais atento da Folha poderá testemunhar na edição deste domingo.

Detalhe de “Os Super-Homens” (1965), de Rubens Gerchman

Nesta volta triunfal ao trópicos, o blog revela em primeira mão quais são os dez escritores mais promissores da literatura brasileira contemporânea.

[silêncio]

Não é, ressalve-se energicamente, uma lista elaborada pelo Elekistão, embora o grão-vizir destas terras tenha participado da enquete, com palpites substancialmente distintos dos que foram selecionados.

A telescópica pesquisa é uma empreitada de uma publicação de Curitiba, o jornal “Cândido”, da Biblioteca Pública do Paraná, uma das bibliotecas estaduais mais agitadas do país, dirigida hoje por Rogério Pereira (fundador do jornal literário “Rascunho”, que em abril completa 13 anos de atividades) .

Os coordenadores da publicação consultaram 15 críticos literários, jornalistas, tradutores de diversas partes do Brasil (a lista dos votantes está no post-scriptum) sobre quem eram os autores nacionais em atividade que seriam lidos daqui a 20 anos.

Os dez mais votados serão apresentados no número 20 do jornal, que circula, com distribuição gratuita, a partir de segunda-feira. E eles são, em ordem alfabética (não foi revelada a ordem dos mais votados):

André Sant’Anna, Angélica Freitas, Bernardo Carvalho, Cristovão Tezza, Daniel Galera, Michel Laub, Milton Hatoum,  Nelson de Oliveira (a.k.a. Luiz Bras), Paulo Henriques Britto e Ricardo Lísias.

Este post breve, e nada analítico, se absterá de comentar a seleção, embora possa acrescentar algumas informações adicionais. O autor mais lembrado foi Daniel Galera (autor de um dos melhores romances brasileiro do ano passado, “Barba Ensopada de Sangue”). Três escritores citados estiveram na lista dos 20 melhores autores sub-40 anos da revista “Granta”: Galera, Ricardo Lísias e Michel Laub (autor de um dos melhores romances brasileiros de 2011, “Diário da Queda”). Foram lembrados, no total, 61 nomes.
Por hoje é só.

Post-scriptum: Os votantes foram Álvaro Costa e Silva, José Castello, Schneider Carpeggiani, Christian Schwartz, Miguel Conde, Rodrigo Gurgel, Bruno Zeni, Carlos André Moreira, Caetano Galindo, José Carlos Fernandes, Ricardo Costa, André Seffrin, Cassiano Elek Machado, João Cezar de Castro Rocha e Luís Augusto Fischer.

Post-scriptum 2: As ressalvas foram tão enérgicas que viraram “ressalve-se energéticamente” (com acento). Salvo pelo leitor André Roman.

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Leminski inédito http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/03/01/leminski-inedito/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/03/01/leminski-inedito/#comments Fri, 01 Mar 2013 20:20:37 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=86 Continue lendo →]]> Leminskiano que se preze sabe que o “Toda” do livro “Toda Poesia”, de Paulo Leminski, que a Companhia das Letras coloca hoje nas livrarias, é licença poética.

Leminski não era tipo que coubesse, completo, em nenhuma espécie de engradado. Prova disso é o poema abaixo, que, segundo uma emérita conhecedora do poeta e do homem, a poeta Alice Ruiz, tem ao menos 90% de chances de ser inédito em livros.

O “auge” de Leminski, publicado em 14 de setembro de 1986

Como eu já escrevi em matéria recente que fiz sobre a Besta dos Pinheirais (e que reproduzo aqui), em que pese a fama de boêmio tresloucado, Paulo Leminski era cigarra que formigava a valer. Durante anos se colherá as leminskadas que ele espalhou por aí.

Em Barcelona, por exemplo, andaram fazendo uma boa colheita. O resultado é um belo livrinho bilíngue com poemas de Leminski, que está sendo lançado pela jovem e brava editora local de poesia Kriller 71 (info@kriller71ediciones.com), trabalho coordenado pelo poeta e tradutor Aníbal Cristobo. Eis a capa do livro “Yo Iba a Ser Homero”.

Leminski em español

 

 

 

 

 

 

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As deselegâncias de Pi http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/02/27/as-deselegancias-de-pi/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/02/27/as-deselegancias-de-pi/#comments Wed, 27 Feb 2013 21:36:17 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=38 Continue lendo →]]>  

 Estive estes dias por casualidade na casa de um dos maiores aventureiros do país. Roberto Pandiani, o Betão, partiria ontem para sua sétima grande expedição. Vai cruzar o Atlântico Sul: sairá da gloriosa Cidade do Cabo, na África do Sul, e depois de quase um mês em alto mar, sem pit-stops, num barco sem cabine (dormirá amarrado num casulo de 60 cm de largura amarrado numa das bases do catamarã), chegará à paulista Ilhabela.

Um pré-Pi, em foto de Felicity Rainnie

Imaginem uma das perguntas que Betão andou mais ouvindo nos últimos dias?:

 “Você vai levar um tigre no seu barco?”

Eu mesmo incorri na piadinha manquitola, sem saber que já tinha sido usada na sala, momentos antes. Adivinhem a pergunta lançada ao salão logo em seguida:

“O tal ‘Pi’ foi mesmo um plágio do Moacyr Scliar?”, perguntou uma das presentes na casa do explorador.

O assunto não é novo (eu mesmo escrevi em 2004 sobre isso na Folha, quando entrevistei o autor do livro, o canadense Yann Martel, como você pode ler aqui e aqui). Mas diante das estatuetas carecas douradas conquistadas pelo filme “As Aventuras de Pi”, de Ang Lee, somos levados a voltar a este barco.

Plágio ou não plágio não é a questão. Não parecia ser nem para Moacyr Scliar. Vale lembrar um texto à respeito feito pelo próprio escritor gaúcho, que pode ser visto aqui e que estará reproduzido em caprichada nova edição que a L&PM publica em março de “Max e os Felinos”, a novela de Scliar que inspirou ou “inspirou” Martel.

Scliar sabia, você sabe, eu sei, a turma toda sabe que “Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma” (merci, Antoine Lavoisier). O próprio fabuloso Scliar, que escreveu mais de 70 livros, e era capaz de fazer um conto em menos de 55 minutos (sou testemunha e posso relatar num p.s., se alguém ainda estiver acordado), diz que chegou a se inspirar, a citar, a remixar ideias.

Mas há maneiras e maneiras de fazê-lo. E mais do que “plágio”, o tema aqui é “elegância” (ou a falta dela). Martel fez as opções mais desastrosamente deselegantes. Entre outros muitos motivos porque disse à época que “era um tema brilhante demais para ser arruinado por um escritor menor” e porque não procurou Scliar ou sua editora americana ou sua editora brasileira ou seus agentes ou ninguém para dizer que havia se inspirado num livro dele (nem antes de publicar seu livro, nem depois de lançá-lo, nem quando toda a polêmica sobre “plágio” veio à tona, de modo que o próprio Scliar é que teve de ir atrás de um exemplar de “The Life of Pi” para se inteirar do assunto). 

O que pouco se fala, entrando numa estrada vicinal desta história, é que Martel é, penso eu, bastante deselegante também no que diz respeito a estilo. Quando apanhei o exemplar de “A Vida de Pi” que havia lido à época da entrevista com o canadense encontrei porções de sublinhados e anotações como “piegas”, “ruim” ou “???” que eu havia feito. Aqui vão dois destes trechos:

“É uma coisa particularmente engraçada ver traços humanos nos animais, sobretudo nos macacos e micos, onde é tão fácil. Os símios são o nosso mais nítido espelho no mundo animal. Por isso são tão populares nos zoológicos”. (p. 143)

E:

“Era uma plácida explosão de vermelho e laranja, uma grande sinfonia cromática, uma tela colorida de proporções sobrenaturais, um pôr-do-sol do Pacífico verdadeiramente esplêndido e inteiramente desperdiçado comigo”. (p. 145)

O trecho acima, ao meu ver, ajuda a entender porque o filme de Ang Lee, cineasta interessante (fez até mesmo um bom “Hulk”) e sujeito boa praça, é fiel ao livro: uma tremenda cafonália.

Eu, particularmente, gostei mais de outro filme. Este abaixo, no qual Scliar comenta o “bizarro” episódio “‘Max e os Felinos x ‘A Vida de Pi'”. Carece dos efeitos especiais da produção de Lee, mas reparem como era elegante o grande Moacyr, que nos deixou há precisos dois anos:

[There is a video that cannot be displayed in this feed. Visit the blog entry to see the video.]

 

Post-scriptum: Em 2005, quando trabalhava na revista “Trip”, pedi a quatro escritores (Raimundo Carrero, Joca Reiners Terron, José Roberto Torero e Scliar) que escrevessem uma breve ficção para ilustrar incríveis fotos panorâmicas de estádios feitas por Dimitri Lee. Telefonei para o escritor gaúcho, ele topou, pediu que eu mandasse a foto por email para ele ver e, em 53 minutos, entregou seu continho, este aqui. Era o teclado mais rápido do velho Sul.

 

 

 

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Erguei as sobrancelhas http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/02/25/erguei-as-sobrancelhas/ http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/2013/02/25/erguei-as-sobrancelhas/#comments Mon, 25 Feb 2013 11:00:16 +0000 http://elekistao.blogfolha.uol.com.br/?p=20 Continue lendo →]]> Don DeLillo nunca foi um xiita da reclusão – na escala de eremitismo que vai do zero de Paulo Coelho ao 10 de Thomas Pynchon ele ficaria no máximo com um 7. Mas uma entrevista coletiva não era uma experiência corriqueira para ele.

E eis que, na primeira edição da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, no já vetusto ano de 2003, Mr. DeLillo foi convidado para falar para um grupo de jornalistas.

A Flip ainda era um festival pequenino, ele já havia tomado uma caipirinha, não eram tantos jornalistas assim. Mestre supremo da chamada Escola Americana de Ficção Paranoica (como diz o autor de entrevista com ele na “The Paris Review”), o autor de romances maravilhosos como “Ruído Branco”, “A Artista do Corpo” e “Submundo” (que nunca consegui ler, mas que parece maravilhoso e acho que pega bem elogiar) não perdeu a oportunidade de brincar com nossos delírios sistematizados. Encarou os jornalistas, pigarreou e disse: “Esta é minha primeira coletiva de imprensa. E entrevistas coletivas começam sempre com grandes notícias”. Cruzou e descruzou as pernas. “Então queria comunicar a vocês que nesta manhã, dia 8 de julho de 2003, os Estados Unidos invadiram a Síria.”

Para meu espanto, e certamente para o de diversos colegas ali (e certamente para o maior espanto de todos, o de DeLillo), ninguém riu. Um silêncio constrangedor seguiu-se ao “anúncio”. E vi ao menos um rapaz sair da sala (na minha fantasia, para ligar para o seu jornal e avisar o “furo de reportagem”).

Agora a pergunta é: por que mesmo estou falando de Don DeLillo? Ah sim, talvez porque era a primeira vez que ele fazia uma determinada coisa (estar numa entrevista coletiva), porque ele a fazia com um grande atraso em relação a seus pares (não fiz uma pesquisa, mas acredito que àquela altura Philip Roth e Ian McEwan já deviam saber o caminho das pedras), e porque, apesar de seu esforço, os seus poucos interlocutores o encararam como se observassem uma samambaia.

Naturalmente, não cabemos, DeLillo e eu, em nenhum tipo de intersecção, mas imagino que eu me sinta mais ou menos como ele ao escrever este “poust”. É o primeiro que escrevo na vida. Nunca tive um blog: o mais próximo que cheguei a isso foi ter um bloc – um “blog analógico”, mais conhecido como bloco de mão, onde eu anotava “posts” e escrevia no rodapé em que horário estava “publicando” aquela nota (devo ter escrito duas ou três). Em relação a muitos amigos, estou uns quinze anos atrasado, e já está fora de moda ter um blog (só eu e Yoani Sánchez parecemos interessados). Portanto, não espero dos poucos interlocutores nesta sala mais do que o olhar esgazeado com o qual brindaram o pronunciamento de Don DeLillo.

Seja como for, não tenho invasão à Síria alguma para anunciar (invasão esta que, dez anos depois, nem soaria tão absurda): o Elekistão é uma monarquia absolutista, mas de um absolutismo razoavelmente pacato. É praticamente um reino-edícula, um império-puxadinho, um mini-vizirato com a única função de reunir e tornar públicas algumas observações escritas de seu líder e fundador, no caso, eu.

Pronto. Podem erguer sobrancelhas.

 

Post-scriptum: em notas vagamente relacionadas, o Elekistão recomenda duas leituras: a de um ótimo relato de Julian Barnes sobre esta primeira e inesquecível Flip, que não deixa de mencionar o “affair DeLillo”, e de uma breve reportagem de autor pouco significativo sobre um passeio de barco com Eric Hobsbawn, Hanif Kureishi e o personagem deste “poust”.  

 

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