As deselegâncias de Pi
27/02/13 18:36
Estive estes dias por casualidade na casa de um dos maiores aventureiros do país. Roberto Pandiani, o Betão, partiria ontem para sua sétima grande expedição. Vai cruzar o Atlântico Sul: sairá da gloriosa Cidade do Cabo, na África do Sul, e depois de quase um mês em alto mar, sem pit-stops, num barco sem cabine (dormirá amarrado num casulo de 60 cm de largura amarrado numa das bases do catamarã), chegará à paulista Ilhabela.
Imaginem uma das perguntas que Betão andou mais ouvindo nos últimos dias?:
“Você vai levar um tigre no seu barco?”
Eu mesmo incorri na piadinha manquitola, sem saber que já tinha sido usada na sala, momentos antes. Adivinhem a pergunta lançada ao salão logo em seguida:
“O tal ‘Pi’ foi mesmo um plágio do Moacyr Scliar?”, perguntou uma das presentes na casa do explorador.
O assunto não é novo (eu mesmo escrevi em 2004 sobre isso na Folha, quando entrevistei o autor do livro, o canadense Yann Martel, como você pode ler aqui e aqui). Mas diante das estatuetas carecas douradas conquistadas pelo filme “As Aventuras de Pi”, de Ang Lee, somos levados a voltar a este barco.
Plágio ou não plágio não é a questão. Não parecia ser nem para Moacyr Scliar. Vale lembrar um texto à respeito feito pelo próprio escritor gaúcho, que pode ser visto aqui e que estará reproduzido em caprichada nova edição que a L&PM publica em março de “Max e os Felinos”, a novela de Scliar que inspirou ou “inspirou” Martel.
Scliar sabia, você sabe, eu sei, a turma toda sabe que “Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma” (merci, Antoine Lavoisier). O próprio fabuloso Scliar, que escreveu mais de 70 livros, e era capaz de fazer um conto em menos de 55 minutos (sou testemunha e posso relatar num p.s., se alguém ainda estiver acordado), diz que chegou a se inspirar, a citar, a remixar ideias.
Mas há maneiras e maneiras de fazê-lo. E mais do que “plágio”, o tema aqui é “elegância” (ou a falta dela). Martel fez as opções mais desastrosamente deselegantes. Entre outros muitos motivos porque disse à época que “era um tema brilhante demais para ser arruinado por um escritor menor” e porque não procurou Scliar ou sua editora americana ou sua editora brasileira ou seus agentes ou ninguém para dizer que havia se inspirado num livro dele (nem antes de publicar seu livro, nem depois de lançá-lo, nem quando toda a polêmica sobre “plágio” veio à tona, de modo que o próprio Scliar é que teve de ir atrás de um exemplar de “The Life of Pi” para se inteirar do assunto).
O que pouco se fala, entrando numa estrada vicinal desta história, é que Martel é, penso eu, bastante deselegante também no que diz respeito a estilo. Quando apanhei o exemplar de “A Vida de Pi” que havia lido à época da entrevista com o canadense encontrei porções de sublinhados e anotações como “piegas”, “ruim” ou “???” que eu havia feito. Aqui vão dois destes trechos:
“É uma coisa particularmente engraçada ver traços humanos nos animais, sobretudo nos macacos e micos, onde é tão fácil. Os símios são o nosso mais nítido espelho no mundo animal. Por isso são tão populares nos zoológicos”. (p. 143)
E:
“Era uma plácida explosão de vermelho e laranja, uma grande sinfonia cromática, uma tela colorida de proporções sobrenaturais, um pôr-do-sol do Pacífico verdadeiramente esplêndido e inteiramente desperdiçado comigo”. (p. 145)
O trecho acima, ao meu ver, ajuda a entender porque o filme de Ang Lee, cineasta interessante (fez até mesmo um bom “Hulk”) e sujeito boa praça, é fiel ao livro: uma tremenda cafonália.
Eu, particularmente, gostei mais de outro filme. Este abaixo, no qual Scliar comenta o “bizarro” episódio “‘Max e os Felinos x ‘A Vida de Pi'”. Carece dos efeitos especiais da produção de Lee, mas reparem como era elegante o grande Moacyr, que nos deixou há precisos dois anos:
Post-scriptum: Em 2005, quando trabalhava na revista “Trip”, pedi a quatro escritores (Raimundo Carrero, Joca Reiners Terron, José Roberto Torero e Scliar) que escrevessem uma breve ficção para ilustrar incríveis fotos panorâmicas de estádios feitas por Dimitri Lee. Telefonei para o escritor gaúcho, ele topou, pediu que eu mandasse a foto por email para ele ver e, em 53 minutos, entregou seu continho, este aqui. Era o teclado mais rápido do velho Sul.
ELEGANTÉRRIMO sr Moacyr Scliar!
Pena não estar aqui…
Elekistão já entre meus favoritos! Serei assídua. Abraços e boa sorte!