Saludos a Roberto Bolaño
02/04/13 10:20Encontrei há pouco a seguinte anotação num dos caderninhos cinzentos da Folha:
“Foi nos dias em que eu estava obcecado em construir um ciborgue capaz de suportar qualquer intensidade de desamor, ou pelo menos foi durante essas semanas quando você notou como o cabelo dele brilhava quando atravessa as ruas ou de que estranha maneira você o encontrava, sempre só ou mal acompanhado, em alguns cafés da parte antiga da cidade, e, sem se atrever a permanecer muito tempo ao seu lado, você fingia escutar as histórias brevíssimas que ele te contava, engrossando a voz do princípio ao fim, tão diferente, a essas alturas, ou nessas trincheiras, me desculpe, do explosivo exilado que conhecemos há tempos.”
Demorei a entender que se tratava de um trecho de um texto, um dos muitos inéditos, de Roberto Bolaño (1953-2003). Havia anotado estas linhas de “Las Rodillas de un Autor de S.F. Atrás”, já mal traduzidas por mim mesmo na ocasião, durante uma visita à exposição “Arxiu Bolaño 1977-2003”, no Centre de Cultura Contemporània de Barcelona (o CCCB). Estive lá para escrever esta matéria aqui, para o caderno Ilustríssima, da Folha.
Não sou um dos chamados “Bolañistas Salvajes”, os entusiasmados entusiastas de longa data por esse escritor chileno-mexicano-catalão-marciano. Fiz uma varredura em meu gmail e encontrei, por exemplo, uma mensagem que um amigo, experimentado bolañista e bolañólogo, me enviara em 22 de setembro de 2005 tentando, já naquela época, e sem resultado, me bolañizar.
Mas feitos todos os descontos (ou seja, subtraída a hagiografia que cerca os artistas que morrem antes do tempo, relevado o fetichismo de uma mostra como esta, repleta de objetos pessoais, como os característicos grandiosos pares de óculos do escritor, minimizados os mitos que cercam a trajetória bolañista, como a do sujeito que não quis se tratar da doença que viria a matá-lo por conta do comprometimento com o livro que estava terminando, o colossal 2666), não há como não se emocionar com a exposição, em cartaz até o final de junho, em Barcelona.
“De lo perdido, de lo irremediablemente perdido, sólo deseo recuperar la disponibilidad cotidiana de mi escritura, líneas capaces de cogerme el pelo y levantarme cuando mi cuerpo ya no quiera aguantar más”, escreveu Bolaño num caderno, onde desenhou a figura acima, com um sujeito que se carrega pelos cabelos, impulsionado pelo coração.
Neste comecinho de abril, mês em que Roberto Bolaño completaria seus 60 anos, embalado por estas anotações esparsas de meu caderninho, e pela leitura tardia dos magníficos Os Detetives Selvagens, envio mis saludos más cordiales à memória deste grande figura, criador de ciborgues capazes de suportar qualquer intensidade de desamor e esforçado e ingenioso amante da ficção.
Post-scriptum: Como estou a um passo de bolañizar-me resolvi, por via das dúvidas, guardar com cuidado o botton distribuído na abertura da exposição catalã.