Bolaño, estrela distante
18/07/13 11:01Nesta mesma semana julina, dez anos atrás, num hospital no norte de Barcelona, quase em frente a uma rua chamada Poesia, morreu o escritor Roberto Bolaño. Tinha 50 anos e um “assento permanente na literatura mundial”, como escreveria a crítica americana Susan Sontag.
Sobre o chileno magrelo e misterioso, cuja literatura continua a soprar mundo afora (a valente editora New Directions publicou esta semana um volume de 766 páginas nos Estados Unidos [veja só você…] com seus belos e estranhos poemas, inéditos no Brasil […], na África do Sul, na semana que vem, estreia o filme italiano “Il Futuro”, de Alicia Scherson, baseado em seu livro “Una Novelita Lumpen” , e esta noite, em São Paulo um grupo de leitores se reúne para debater seu romance “Uma Estrela Distante”, mais detalhes aqui), já se escreveu um bocado. Até no Elekistão, que chegou a enviar um emissário diplomático à pequenina cidade catalã chamada Blanes, onde o autor de “2666” fizera seu ninho (vale a pena ler de novo, aqui). Só restava, pois, trazer as palavras do próprio Bolaño sobre Bolaño. Em 1999, quando ganhou o prêmio literário Romulo Gallegos, ele redigiu um “Autorretrato”. O texto foi publicado, postumamente, no volume “Entre Paréntesis” (editora Anagrama, 2004). E é mais ou menos assim.
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“Nasci em 1953, o ano em que morreram Stálin e Dylan Thomas. Em 1973, estive oito dias detido pelos militares golpistas do meu país e no ginásio no qual mantinham os presos políticos encontrei uma revista inglesa com uma reportagem fotográfica da casa de Dylan Thomas no País de Gales. Eu achava que Dylan Thomas tinha morrido pobre e a casa me pareceu magnífica, quase como uma casa encantada no meio de um bosque. Não havia nenhuma reportagem sobre Stálin. Mas naquela noite sonhei com Stálin e Dylan Thomas: eles estavam num bar da Cidade do México, sentados a uma mesa pequena e redonda, uma mesa própria para uma queda-de-braço, mas eles não disputavam uma queda-de-braço e sim competiam qual deles aguentava beber mais. O poeta galês bebia whisky e o ditador soviético, vodka. À medida que o sonho transcorria, porém, o único que parecia cada vez mais mareado, cada vez mais à beira da náusea, era eu. Isso no que diz respeito ao meu nascimento. No que diz respeito aos meus livros, devo dizer que publiquei cinco volumes de poemas, um livro de contos e sete romances. Meus poemas quase ninguém conhece, o que pode ser bom. Meus livros de prosa têm alguns leitores fiéis, o que pode não ser merecido. Em ‘Conselhos de um Discípulo de Morrison a um Fanático de Joyce’ (1984, escrita em colaboração com Antoni García Porta), falo sobre a violência. Em ‘A Pista de Gelo’ (1993), falo da beleza, que dura pouco e cujo fim costuma ser desastroso. Em ‘A Literatura Nazista na América’ (1996) falo sobre a miséria e a soberania da prática literária. Em ‘Estrela Distante’ (1996), tento uma aproximação, bem modesta, ao mal absoluto. Em ‘Os Detetives Selvagens’ (1998), falo da aventura, que sempre é inesperada. Em ‘Amuleto’ (1999), procuro entregar ao leitor a voz arrebatada de uma uruguaia com vocação de grega. Omito o meu terceiro romance, ‘Monsieur Pain’, cujo argumento é indecifrável. Embora viva há mais de 20 anos na Europa, minha única nacionalidade é a chilena, o que não é nenhum obstáculo para que eu me sinta profundamente espanhol e latino-americano. Na minha vida, vivi em três países: Chile, México e Espanha. Exerci quase todos os ofícios do mundo, com exceção de três ou quatro que qualquer um com certo decoro sempre se negará a exercer. Minha mulher se chama Carolina López e meu filho, Lautaro Bolaño. Os dois são catalães. Na Catalunha, também, aprendi a difícil arte da tolerância. Sou muito mais feliz lendo do que escrevendo.” (tradução Cassiano Elek Machado)
Post-scriptum: Em latim, Felix significa feliz. Feliz está a Catalunha com o nascimento, ontem, numa maternidade de Barcelona, do bebê Felix. Tem 3,4 bem torneados quilinhos o primeiro (e maravilhoso) sobrinho do Elekistão.
Parabéns, meu caro blogueiro, por nos proporcionar esse depoimento marcante de Bolaños. Li e gostei muito de 2666, é uma obra muito boa. Lamentável a perda deste escritor há um ano atrás. É merecedor do tributo.
Belo post. Não conhecia este texto de Bolaños. Muito interessante.