O taxista Jabuti
25/07/13 09:16Uma noite você estará em alguma avenida do Rio de Janeiro e vai estender seu braço, dedo indicador esticado, e um táxi amarelo vai frear e você vai pedir que te leve a um destino qualquer da cidade.
E quando você começar a puxar conversa com o motorista, toda aquela conversa mole sobre as condições climáticas e temas congêneres, o interlocutor vai rebater com Padre Antônio Vieira, Albert Camus ou Kierkegaard. A trilha sonora da sua corrida será Thelonious Monk, Rosa Passos ou o “Minueto em Sol Maior” de Bach. Se tiver sorte, o taxista vai te revelar que já ganhou um Prêmio Jabuti (e, quem sabe, até te dar um livro de contos escrito por ele).
Aconteceu comigo. Num preguiçoso fim de tarde carioca, um par de meses atrás, tomei a viatura de número 055 quase em frente ao Jockey Club da Gávea. Conversa vai, conversa vem, o motorista contou que escrevia. O Elekistão tem apreço profundo por essa árdua atividade, a da escrita, mas nem sempre se alegra quando o interlocutor revela-se subitamente um escriba (neste reino, só se desfruta da poesia quando ela não envolve alguém lhe esfregando um volume de versos na cara com a inquisição “VOCÊ GOSTA DE POESIA???”) . Não era o caso. O taxista estava na dele.
Já estava saindo do carro amarelo quando ele comentou “en pasant” que tinha ganhado um Prêmio Jabuti. E ofereceu, de graça, um exemplar de um livro seu. Elder Antonio de Mendonça Figueiredo assina suas histórias como Vário do Andaraí. A explicação do pseudônimo? “Machado de Assis era o Bruxo do Cosme Velho. Miguel de Cervantes era o Manco de Lepanto, e Olavo Bilac era o Príncipe dos Poetas. Eu sou o Vário do Andaraí, figura anônima das ruas e vielas do bairro. Vário: singular do seu afamado. Nada. ”
Dedé, apelido não literário do motorista, escreve de verdade. Pode espiar no site dele, este aqui, onde publica desde sonetos e fábulas até crônicas, como as que ele reuniu no livro “Máquina de Revelar Destinos Não Cumpridos” (editora Dimensão) . Foi por este volume, lançado em 2010, que o chamado Vário do Andaraí ganhou um Jabuti, como segundo colocado na categoria Conto e Crônica.
A estatueta em forma de tartaruga não mudou a rotina. Ex-analista de sistemas, ex-boleiro e ex-dono de quiosque em Copacabana, ele gosta da praça. Roda quase sempre de noite e de madrugada. Nas outras horas, escreve e luta boxe (há uma luvinha preta balançando no retrovisor de seu carro). Atualmente, trabalha no texto de um espetáculo teatral, que deverá ser montado por um grupo de Belo Horizonte, num livro de arte de um pintor da região do Triângulo Mineiro e em legendas (em linguagem bíblica) para uma exposição de fotografias.
Vário, o variado, não para. E ainda te leva para qualquer parte do Rio.
me fez lembrar o nome de um disco do artista mineiro já falecido Marco Antônio Araújo: Quando a sorte de solta um cisne na noite…
Também já peguei esse tx. O humanista que dirige o carro impressiona. Fora o que vc citou, o cara também manda uma viola pra lá de decente. Abraços!
Que figura incrível!
Fora o texto que narra o episódio, uma graça.
Que legal isso. Pena que alguém que faz muita coisa no final das contas, não faz nada. Ele é taxista, escritor, luta boxe, escreve textos para teatro (deve querer acompanhar a montagem)… e no final, é o que mesmo?