No Velho Oeste ele nasceu
21/08/13 15:30Elmore Leonard, morto na manhã de ontem em sua casa, aos 87, era aquele tipo de escritor que suscitava um espírito “Onde os Fracos Não Têm Vez” em seus leitores. E quando fui entrevistá-lo, há uma porção de anos, imaginei que do telefone sairia uma voz empoeirada, áspera, seca. Engano meu. Old Elmore, o grande mestre de Detroit, tinha um falar macio e delicado. À época, conversamos sobre o relançamento de uma parte importante de sua literatura, menos conhecida do que seus livros urbanos e policiais: os westerns. Foi neste gênero que um dos grandes xerifes da literatura americana começou. Vale a pena (creio eu) ler de novo. Aí vai:
Aos 75 anos, Elmore Leonard tem uma vasta carreira de crimes nas costas. O senhor magrela de olhos claros calcula já ter matado “muito mais de mil”. Mas não é a violência que elevou esse veterano da Segunda Guerra ao Olimpo.
Dono de uma das canetas mais rápidas das letras norte-americanas (ele se recusa a aderir aos computadores), o escritor já publicou 39 romances, que fizeram dele um dos maiores nomes do planeta na literatura calibre 38.
Os diálogos “na mosca” e a alvenaria original dos personagens seduziram uma multidão de leitores, sujeitos como o cineasta Quentin Tarantino, que declara a quatro ventos que seu autor predileto é Leonard, de quem já adaptou “Ponche de Rum” (o filme “Jackie Brown”) e a quem homenageia em “Kill Bill 2”, exibindo em uma cena cartaz do filme “Mr. Majestyk”, outra obra do escritor levada ao cinema.
O que poucos se lembram é que Mr. Leonard começou a carreira, redondos 50 anos atrás, com livros de faroeste. E que são dele pelo menos dois dos clássicos absolutos do gênero: “Hombre” (1961) e “Valdez Vem Aí” (1969), ambos filmados com sucesso.
E não é que alguma editora brasileira se deu conta disso? A Rocco está lançando os dois livros pela primeira vez no país, acompanhados de outros três westerns de Leonard, obras que abrem a “Coleção Faroeste”, por enquanto só com obras do autor de Detroit. Foi de lá que o “xerife” falou com a Folha. Leia a seguir trechos do “duelo”, sem mortos ou feridos.
Folha – O faroeste, tanto na literatura quanto no cinema, vem perdendo força há décadas no seu habitat natural, os Estados Unidos. Qual o motivo dessa decadência?
Elmore Leonard – É uma longa decadência, que começou no final dos anos 50. Havia tantos programas de faroeste na TV que as pessoas sentiam que não precisavam mais ler as histórias. Revistas muito populares simplesmente deixaram de ser publicadas. Os westerns morreram com essas revistas “pulp”. Pouco depois, os filmes de faroeste começaram a perder público porque custava muito fazê-los e não se conseguia a mesma comoção obtida com um punhado de efeitos especiais.
Folha – Foi o declínio do western que o levou aos romances policiais?
Leonard – Exato. Quando comecei, nos anos 50, tinha vontade de escrever ou romance policial ou western e resolvi iniciar com o segundo. Quando vi que não agradava mais, mudei para os crimes.
Folha – A literatura faroeste do sr. foi influenciada pelo boom de filmes de faroeste nos anos 40 e 50?
Leonard – Mais do que me influenciar, os filmes me estimularam. Como havia boa probabilidade de vender os romances para o cinema, eu ficava instigado a escrever para ganhar dinheiro. E não era fácil. Escrevi “Hombre” em 1959 e só consegui publicá-lo dois anos depois. O filme é de 67.
Folha – Quais as diferenças entre seus faroestes e seus policiais?
Leonard – Não estou certo de que existam muitas diferenças. Em ambos, a ênfase é dada nos personagens, não nas tramas. As histórias só aparecem ao passo que vou escrevendo. Só quando já fiz cem páginas descubro o que vai acontecer com meus personagens.
Folha – Quais elementos não podem faltar em um western?
Leonard – Posso te dizer o que nunca fiz e que aparece em praticamente todos os filmes: a cena do duelo na rua entre o bonzinho e o malvado. Nunca usei isso, pois acho que nunca aconteceu. Nas pesquisas que fiz em jornais da época, se alguém queria matar outro alguém se armava o melhor que podia, ia até onde seu inimigo estava e começava a atirar. E eles não eram tão bons assim no gatilho, com aqueles .44 pesadões. Erravam os tiros o tempo todo.
Folha – Os tiros de .44 que os caubóis davam nos índios e outros traços de comportamentos deles deram ao gênero uma reputação de conservador. O sr. concorda?
Leonard – Os caubóis eram mesmo conservadores. Viviam estritamente pregando a ideia da lei. Não conhecemos a verdade sobre os caubóis. Mal sabemos que eram em boa parte negros.
Folha – O sr. mora há muitos anos em Detroit, tradicionalmente o coração da indústria automobilística dos Estados Unidos. O sr. também sabe “dirigir” cavalos?
Leonard – Faz muito tempo desde minha última cavalgada. Acho que foi em 1941. Saí para Montana com um grupo e fizemos uma viagem de três dias a cavalo. Não tive vontade desde então.
Folha – O sr. já disse que o western é seu gênero favorito, mas parou de escrever nesse gênero há tempos. O sr. não tem vontade de voltar ao “Velho Oeste”?
Leonard – Pois é, não escrevo um western desde 1979. Não tenho planos concretos de voltar ao western, embora seja sempre cobrado pelos leitores. Acho que histórias de caubóis não venderiam hoje.
Folha – Mas o sr. ainda se chateia com o número de cópias vendidas?
Leonard – É, vendo 100 mil exemplares de cada livro. Isso é bom, me coloca na lista dos “top” do “New York Times”. Mas não dá para me equiparar a John Grisham, que vende 2 milhões por livro. Isto sim é impressionante.
Post-scriptum: Em 2007, quando fiz a programação da Festa Literária Internacional de Paraty, convidei Elmore Leonard para vir ao festival. Ele aceitou. Debateria com Denis “Sobre Meninos e Lobos” Lehane. Por motivos de saúde, Leonard cancelou três meses antes da Flip. Mas a saúde não o impediu de continuar produzindo bastante. De 2007 para cá, publicou quatro romances, o mais recente deles, “Raylan”, será publicado pela Companhia das Letras ainda este ano.