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Elekistão

Notas sobre o universo cultural e adjacências

Perfil Cassiano Elek Machado é repórter especial da Folha

Perfil completo

O choque-mate de Mr. Elliott

Por elekistao
06/09/13 15:34

O fotógrafo Elliott Erwitt acaba de fazer uma jogada arriscada, como a imagem abaixo comprova.

Jogo de xadrez registrado por Elliott Erwitt

Mestre da fotografia em branco e preto, ele lançou esta semana seu primeiro livro só com imagens coloridas. É bem verdade que, escondido sob o codinome de André S Solidor, ele havia publicado um volume repleto de cores, chamado “The Art of  André S Solidor” (2009), com imagens como esta maravilha abaixo. Mas Erwitt é Erwitt e Solidor é Solidor.

Foto de André S Solidor

Os dois têm em comum a mesma editora. A casa alemã teNeues, responsável pela compilação do exótico Solidor, é que lança agora o volume “Kolor” (disponível em versão padrão, por 125 dólares, ou com uma cópia assinada por Erwitt, por 2500 pratas). Não deve ter sido moleza realizar a seleção das imagens.

Aos 85 anos, o mestre da agência Magnum tinha um acervo de mais de 500 mil fotos coloridas, feitas com filmes Ektachrome e Kodachome, como as fotos abaixo.

Maior fotógrafo de cachorros do mundo, aqui coloca o cão no fim da fila

Direção agressiva, na visão colorida de Erwitt

Antes que revelasse este seu mundo full color, Erwitt esteve em São Paulo, em 2009, para uma palestra e uma entrevista. Escrevi o textinho abaixo, que recompartillho com os leitores do Elekistão.

O fotógrafo posa para Renato Parada

 Ele prefere os quadrúpedes

Era evidente o espanto nos olhos daquele vira-lata barbudinho, cor de farofa, que chafurdava os sacos de lixo na esquina da Martim Francisco com a Martinico Prado. “Eu não acredito!”, grunhia, enquanto tentava se recompor, diante da visão do senhor de cabelos brancos, suspensórios tricolores e sandália papette. “Não pode ser que Elliott Erwitt esteja aqui em Santa Cecília”, dizia seu rabo desajeitado, espanando de um lado pro outro, ao passo que se posicionava gisellebundchenmente para um retrato.

Talvez por estar sem a câmera Leica engatilhada na mão direita ou, mais provável, inebriado pela minha promessa de um suculento polpettone, que ele viria a enfrentar com louvor no vizinho Jardim de Napoli, Erwitt perdeu a pose daquele carismático saco de pulgas paulistano.

É raridade. Desde uma tarde fria de 1946, quando se deitou numa calçada de Manhattan para retratar um chihuahua paramentado com uma roupinha de lã, nenhum bípede fotografou cães tão bem quanto ele.

Nesta, que veio a ser a primeira das centenas de imagens clássicas capturadas por Mr. Erwitt, a ideia nem era fotografar o animalzinho de olhos esbugalhados. Recém-saído do exército americano, após a Segunda Guerra, Elliott havia sido contratado por uma revista semanal de Nova York para fazer um editorial de sapatos femininos. O ex-recruta, de 18 anos, pouco entendia de scarpins, sapatilhas e sandalinhas. Mas não titubeou. “Logo pensei nos cães. Ninguém vê tantos sapatos como eles”, relembra. Elliott Erwitt já demonstrava ter a qualidade inequívoca para um grande fotojornalista: faro.

O olfato apurado, não demorou muito, o conduziu à melhor agência fotográfica de todos os tempos. Chegou à Magnum Photos em 1953, convidado por um sujeito chamado Robert Capa, que fundara a agência seis anos antes com outro punhado de comparsas, entre eles Henri Cartier-Bresson.

É em parte por conta da mesma Magnum Photos que o fotógrafo há mais tempo em atividade da agência veio a São Paulo em setembro. Aos 81 anos, Erwitt visitou a capital paulistana para falar do ofício. As loas ao fotógrafo também foram rendidas com uma exposição de 60 de suas fotografias.

Há bem mais do que cãezinhos à mostra. Além de buldogues, terriers, poodles e chihuahuas, o velho Erwitt fotografou outros animaizinhos mais selvagens, como, digamos, Marilyn Monroe. “Marilyn? Ah, ela não era nada de mais. Em termos físicos ela era surpreendentemente pouco atraente. Mas era muito simpática e sensível. Muito inteligente”, conta. Então tá… Ele a fotografou uma porção de vezes. Numa de suas fotos mais conhecidas, a atriz aparece rodeada de uma turminha que inclui seu ex-marido Arthur Miller, John Houston, Montgomery Clift e Clark Gable. Aparentemente Erwitt nunca foi de fazer festa em torno de figuras conhecidas. E eles as fotografou às matilhas. De Che Guevarra a JFK, de Marlene Dietrich a Humphrey Bogart, de Yukio Mishima (pouco antes de cometer seu famoso harakiri) a Simone de Beauvoir. “Fotografar ‘celebridades’ é exatamente como fotografar ‘não-celebridades'”, expressa em seu antifotografês confesso. “A questão é achar o enquadramento correto e tentar encontrar algo único na pessoa. Nunca me intimidei com ninguém. Sempre pensava que mesmo o mais célebre dos seres sempre escova os dentes, como eu, a cada noite antes de ir para a cama.”

O fato de ter tido uma infância levemente cinematográfica talvez ajude. O norte-americano Elliott Erwitt não nasceu nos Estados Unidos, e não se chamava nem Elliott nem Erwitt. Sua cidade-natal foi Paris e a certidão de nascimento, de julho de 1928, leva o nome Elio Romano Erwitz. O pai era estudante de arquitetura, nascido em Odessa, na Ucrânia. A mãe vinha de família rica de mercadores de Moscou. Os dois se encontraram na mítica Trieste, na Itália, e foram para a França, onde nasceu o nosso personagem. Com ele ainda criança, mudaram todos para Milão, onde “Elio” viveu até os 10 anos. “Graças ao Mussolini é que eu sou americano”, brinca. A família Erwitz (depois Erwitt) escapuliu por pouco: tomaram o último navio a sair da Itália para os EUA, dia 1º de setembro: dois dias antes que a Guerra fosse declarada.

Na chuvosa semana em que chegou a São Paulo, Erwitt completava sete décadas de Estados Unidos. Em seu apartamento, em um vistoso prédio bege em frente ao Central Park, em Nova York, vive com a mulher, o cão terrier Sammy e itens como um alce que trouxe do Alaska, uma estátua em tamanho real de um policial japonês, uma coleção de buzinas de bicicletas, um…

As bugigangas ajudam a ilustrar um dos traços mais marcantes da fotografia de Erwitt: seu humor. Na concepção dele, fazer as pessoas rir é um dos maiores feitos que alguém pode conseguir. Mais invejáveis, para ele, são só os que, como Charles Chaplin, conseguem alternadamente fazer as pessoas chorar e rir. O humor de Erwitt não é propriamente o das videocassetadas. É manso; por vezes lírico, por vezes irônico. De todos os grandes fotógrafos do século 20, clube do qual tem  carteirinha, ele talvez tenha sido o que mais tenha feito as imagens sorrir. Mais recentemente chegou a investir na gargalhada fotográfica. Mestre das imagens em preto e branco, bem-humoradas, mas contidas, ele fez nascer um heterônimo chamado Andre S. Solidor, por meio do qual libertou suas imagens mais coloridas, kitsch e antijornalísticas (encenadas e manipuladas por computador). Essas acabam de ser reunidas no imponente livro “The Art of Andre S. Solidor”, da editora alemã TeNeues.

Dizem que fora dos livros, das fotografias e filmes (já que também assinou documentários e filmes mais comerciais para TV) Elliott Erwitt é um sujeito casmurro. Sim, e não. “Você tem ideia de quantos países já visitou?”, foi uma pergunta infeliz do sobrescrito, durante a degustação de polpettones. Erwitt, que em seus mais de 30 livros (oito deles só sobre cachorros), publica imagens que fez em Auschwitz e em Burma, em Tóquio e na Argentina, na Nova Zelândia e no Irã, responde candidamente: “Já fui a quatro países”. Faz uma pausa e complementa: “É, talvez mais”. Entre esses “quatro países” inclui-se o Brasil, que ele visitou mais de uma dezena de vezes, seja para registrar Brasília em construção, o sequestro de um navio na costa pernambucana, as ladeiras do Pelourinho ou as praias do Rio e de Búzios. “Elliott”, pergunto, “você deve achar as nossas praias muito bonitas, já que as visitou tantas vezes, não?” “É, as praias são bonitas. Mas não é por isso que eu vinha sempre ao Brasil. Era por causa de uma garota brasileira espetacular”. Mestre Erwitt sabe desconcertar.

O desconcerto é um de seus modus operandi de fotografar: mais aparente quando se trata dos cães. Em muitos de seus retratos caninos os animais estão saltando, latindo, sorrindo, uivando. Sabe por quê? Um akita que fazia seu trottoir nos Jardins pode dar seu testemunho. O cãozinho passava pela Alameda Franca, em frente à galeria 8 Rosas, quando foi surpreendido por latidos bravos. Vinham de um senhor de cabelos brancos e suspensórios. É. Elliott Erwitt late, e late alto, para os cachorros com os quais cruza no caminho. Late, e depois os fotografa. Bem, não é sempre que o faz. Para desgosto de um vira-lata cor de farofa, de Santa Cecília.

 

O clássico retrato canino de Erwitt, de 1946

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Os sonhos de ossos de Seamus Heaney

Por elekistao
30/08/13 11:25

Seamus Heaney, morto hoje, num hospital de Dublin, era o poeta clássico-clássico, destes talhados na Grécia Antiga, nos campos provençais, em ilhas cobertas de vulcões no extremo norte da terra.

O irlandês, o quarto sujeito em seu apertado país a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura (e James Joyce nem foi um deles), fazia poesia com natureza e com ossos, com frases como “Space is a salvo. We are bombarded by the empty air. Strange, it is a huge nothing that we fear“.

 

O poeta Seamus Heaney (1939-2013)

Um do poemas mais celebrados de Mr. Heaney, que ao longo de sua juventude assinava seus textos com o pseudônimo Incertus, era “Sonhos de Ossos”, bem traduzido para o português por José Antonio Arantes, para uma coletânea do poeta publicada pela Companhia das Letras. Seguem dois fragmentos.

 

Sonhos de Ossos

Osso branco achado
na pastagem:
a rude, porosa
linguagem do toque

e a amarelenta, estriada
impressão na relva –
um miúdo navio-túmulo.
Inerte como pedra,

sílex-sina, pepita
de greda,
toco nele de novo,
meto-o na

funda da memória
para atirá-lo contra a Inglaterra
e seguir-lhe a queda
em campos estranhos.

2

Osso-casa:
um esqueleto
nos velhos cárceres
da língua.

Rechaço
de dicções,
dosséis elisabetanos,
estratagemas normandos,

as eróticas flores de maio
de Provença
e os latins cobertos de hera
de clérigos

até o zangarreio
do bardo, o lampejo
férreo de consoantes
dividindo o verso.

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"Lolita" como você nunca viu

Por elekistao
26/08/13 13:57

Como boa parte das grandes ideias, a do editor americano Russ Kick era simples (e trabalhosa): convidar algumas dezenas dos maiores artistas gráficos contemporâneos para interpretarem, só com ilustrações, cenas de clássicos da literatura universal.

Funcionou : veja um exemplo —->

“A Revolução dos Bichos”, de Orwell, recriado por Laura Plansker

 

O trabalho acima integra o terceiro e último volume  da empreitada de Kick, que se chama “The Graphic Canon”, lançamento da editora Seven Stories Press. Neste tomo (são mais de 500 páginas) estão recriações gráficas de obras feitas a partir do início do século 20, a mais recente delas “The Infinite Jest”, de David Foster Wallace (1996), “lida” por Benjamin Birdie.

No total, considerados os três volumes, “The Graphic Canon” reúne 1600 páginas. A América do Sul aparece bem discretamente. A inglesa Kathryn Siveyer, por exemplo, interpreta três contos de Jorge Luis Borges (veja um exemplo abaixo).

Kathryn Siveyer recria o conto “As Ruínas Circulares”, de Borges

No começo de outubro,  a Seven Stories lançará uma caixa com os três volumes de “The Graphic Canon”.

Enquanto isso, espiamos aqui mais uma imagem de “Graphic Canon 3”:  “Lolita”, de Nabokov, como você nunca viu.

Cena de “Lolita”, no traço de Sally Madden

Outro clássico contemporâneo escrito por um russo, o maravilhoso romance “O Mestre e Margarida”, de Mikhail Bulgakov, foi recriado com elegância pelo inglês Andrej Klimowski.

“Mestre e Margarida”, interpretado por Andrej Klimowski

E o Elekistão termina este sobrevoo pela história gráfica da literatura universal com um divertido “snapshot” do famoso quarteto de aventureiros de “Mágico de Oz”, de L. Frank Baum, na visão do artista britânico Graham Rawle.

Os protagonistas de Oz vistos por Graham Rawle

 

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No Velho Oeste ele nasceu

Por elekistao
21/08/13 15:30

Elmore Leonard, morto na manhã de ontem em sua casa, aos 87, era aquele tipo de escritor que suscitava um espírito “Onde os Fracos Não Têm Vez” em seus leitores. E quando fui entrevistá-lo, há uma porção de anos, imaginei que do telefone sairia uma voz empoeirada, áspera, seca. Engano meu. Old Elmore, o grande mestre de Detroit, tinha um falar macio e delicado.  À época, conversamos sobre o relançamento de uma parte importante de sua literatura, menos conhecida do que seus livros urbanos e policiais: os westerns. Foi neste gênero que um dos grandes xerifes da literatura americana começou. Vale a pena (creio eu) ler de novo. Aí vai:

Capas de (alguns dos) livros de Elmore Leonard

Aos 75 anos, Elmore Leonard tem uma vasta carreira de crimes nas costas. O senhor magrela de olhos claros calcula já ter matado “muito mais de mil”. Mas não é a violência que elevou esse veterano da Segunda Guerra ao Olimpo.
Dono de uma das canetas mais rápidas das letras norte-americanas (ele se recusa a aderir aos computadores), o escritor já publicou 39 romances, que fizeram dele um dos maiores nomes do planeta na literatura calibre 38.
Os diálogos “na mosca” e a alvenaria original dos personagens seduziram uma multidão de leitores, sujeitos como o cineasta Quentin Tarantino, que declara a quatro ventos que seu autor predileto é Leonard, de quem já adaptou “Ponche de Rum” (o filme “Jackie Brown”) e a quem homenageia em “Kill Bill 2”, exibindo em uma cena cartaz do filme “Mr. Majestyk”, outra obra do escritor levada ao cinema.
O que poucos se lembram é que Mr. Leonard começou a carreira, redondos 50 anos atrás, com livros de faroeste. E que são dele pelo menos dois dos clássicos absolutos do gênero: “Hombre” (1961) e “Valdez Vem Aí” (1969), ambos filmados com sucesso.
E não é que alguma editora brasileira se deu conta disso? A Rocco está lançando os dois livros pela primeira vez no país, acompanhados de outros três westerns de Leonard, obras que abrem a “Coleção Faroeste”, por enquanto só com obras do autor de Detroit. Foi de lá que o “xerife” falou com a Folha. Leia a seguir trechos do “duelo”, sem mortos ou feridos.

Old Elmore Leonard

Folha – O faroeste, tanto na literatura quanto no cinema, vem perdendo força há décadas no seu habitat natural, os Estados Unidos. Qual o motivo dessa decadência?
Elmore Leonard – 
É uma longa decadência, que começou no final dos anos 50. Havia tantos programas de faroeste na TV que as pessoas sentiam que não precisavam mais ler as histórias. Revistas muito populares simplesmente deixaram de ser publicadas. Os westerns morreram com essas revistas “pulp”. Pouco depois, os filmes de faroeste começaram a perder público porque custava muito fazê-los e não se conseguia a mesma comoção obtida com um punhado de efeitos especiais.

Folha – Foi o declínio do western que o levou aos romances policiais?
Leonard – 
Exato. Quando comecei, nos anos 50, tinha vontade de escrever ou romance policial ou western e resolvi iniciar com o segundo. Quando vi que não agradava mais, mudei para os crimes.

Folha – A literatura faroeste do sr. foi influenciada pelo boom de filmes de faroeste nos anos 40 e 50?
Leonard – 
Mais do que me influenciar, os filmes me estimularam. Como havia boa probabilidade de vender os romances para o cinema, eu ficava instigado a escrever para ganhar dinheiro. E não era fácil. Escrevi “Hombre” em 1959 e só consegui publicá-lo dois anos depois. O filme é de 67.

Folha – Quais as diferenças entre seus faroestes e seus policiais?
Leonard – 
Não estou certo de que existam muitas diferenças. Em ambos, a ênfase é dada nos personagens, não nas tramas. As histórias só aparecem ao passo que vou escrevendo. Só quando já fiz cem páginas descubro o que vai acontecer com meus personagens.

Folha – Quais elementos não podem faltar em um western?
Leonard – 
Posso te dizer o que nunca fiz e que aparece em praticamente todos os filmes: a cena do duelo na rua entre o bonzinho e o malvado. Nunca usei isso, pois acho que nunca aconteceu. Nas pesquisas que fiz em jornais da época, se alguém queria matar outro alguém se armava o melhor que podia, ia até onde seu inimigo estava e começava a atirar. E eles não eram tão bons assim no gatilho, com aqueles .44 pesadões. Erravam os tiros o tempo todo.

Folha – Os tiros de .44 que os caubóis davam nos índios e outros traços de comportamentos deles deram ao gênero uma reputação de conservador. O sr. concorda?
Leonard – 
Os caubóis eram mesmo conservadores. Viviam estritamente pregando a ideia da lei. Não conhecemos a verdade sobre os caubóis. Mal sabemos que eram em boa parte negros.

Folha – O sr. mora há muitos anos em Detroit, tradicionalmente o coração da indústria automobilística dos Estados Unidos. O sr. também sabe “dirigir” cavalos?
Leonard – 
Faz muito tempo desde minha última cavalgada. Acho que foi em 1941. Saí para Montana com um grupo e fizemos uma viagem de três dias a cavalo. Não tive vontade desde então.

Folha – O sr. já disse que o western é seu gênero favorito, mas parou de escrever nesse gênero há tempos. O sr. não tem vontade de voltar ao “Velho Oeste”?
Leonard – 
Pois é, não escrevo um western desde 1979. Não tenho planos concretos de voltar ao western, embora seja sempre cobrado pelos leitores. Acho que histórias de caubóis não venderiam hoje.

Folha – Mas o sr. ainda se chateia com o número de cópias vendidas?
Leonard – 
É, vendo 100 mil exemplares de cada livro. Isso é bom, me coloca na lista dos “top” do “New York Times”. Mas não dá para me equiparar a John Grisham, que vende 2 milhões por livro. Isto sim é impressionante.

 

Post-scriptum: Em 2007, quando fiz a programação da Festa Literária Internacional de Paraty, convidei Elmore Leonard  para vir ao festival. Ele aceitou. Debateria com Denis “Sobre Meninos e Lobos” Lehane. Por motivos de saúde, Leonard cancelou três meses antes da Flip. Mas a saúde não o impediu de continuar produzindo bastante. De 2007 para cá, publicou quatro romances, o mais recente deles, “Raylan”, será publicado pela Companhia das Letras ainda este ano. 

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Por que não sou viúva de Saramago

Por elekistao
16/08/13 19:44
Entrevistei estes dias Pilar del Río, a presidenta da Fundação José Saramago. Ela veio ao Brasil para participar da cerimônia de relançamento de dois romances importantes do escritor português, como você pode relembrar clicando aqui. No texto, eu a tratava em dado momento como viúva de Saramago, o que foi reproduzido no título da reportagem.
Del Río escreveu para agradecer a matéria, mas para fazer algumas ressalvas. A livre tribuna elekistânica publica o email abaixo.

Pilar à frente de José (no filme “Pilar e José”)

“Uma coisa, para o futuro, se o tivermos: nunca fui, vida afora, uma esposa, e tampouco sou, agora, uma viúva. O papel de viúva ou que me apresentem como ‘a viúva’ me
deixa revoltada. Sou a companheira, ou a tradutora ou a PRESIDENTA, palavra que existe em português, está nos dicionários logo acima da palavra PRESIDENTE. Vamos ver se a mídia deixa de ignorar as mulheres que presidimos. E se começam a entender que há uma diferença entre função e quem desempenha a função: a pessoa que que preside é uma coisa, quem preside pode ser homem ou mulher e, nesse caso, será presidenta ou presidenta se as regras forem respeitadas. Sei que é um debate cansativo, mas muito mais cansativo é ver tantas pessoas bem instruídas, e tantos meios, cometendo um erro ortográfico que, além de tudo, revela uma concepção machista do mundo. Ainda mais quando quem governa o Brasil não se vê como um homem, mas sim como uma mulher que preside, ou seja, presidenta. A recusa de aceitar o nome das coisas só implica que não se aceitem as coisas. E que a mulher deve deixar estes lugares para o homem. Quando se aceitar o nome estará consolidada a função, e isso o poder não quer. Dilma é, para aqueles que têm o controle social, uma pausa entre dois homens.
Beijo e até a próxima.”
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Passe livre

Por elekistao
14/08/13 15:38

Ninguém descreveu melhor um engarrafamento do que Julio Cortázar. No primeiro conto de “Todos los Fuegos el Fuego” (que título, não, senhoras e senhores?), o escritor franco-argentino descreve um congestionamento que dura meses, numa estrada que leva Fontainebleau a Paris. A boa nova é que o mais bonito trânsito da literatura mundial está de volta, em nova edição, a este congestionado país tropical. “A Autoestrada do Sul & Outras Histórias” (org. Sérgio Karam, tradução Heloisa Jahn, 21 tostões) é o nome de uma coletânea de contos que a editora gaúcha L&PM publica estes dias, em formato de bolso — cabe em qualquer porta-luva.

Engarramento com 13 mil carros de brinquedo, em Madrid

Escrita em 1964, “Autopista del Sur” é uma descrição minuciosa de um gigantesco  nó de carros, enlaçados sob o sol de agosto (e eu cito: “…O sol, que se punha do lado esquerdo da rodovia, derramava sobre cada automóvel uma última avalanche da geleia alaranjada que fazia ferver os metais e ofuscava a vista, sem que jamais uma copa de árvore desaparecesse completamente atrás de nós, sem que a outra sombra entrevista à distância se aproximasse a ponto de mostrar sem a menor dúvida que a massa de automóveis estava se movendo nem que fosse um pouquinho..”).

Os personagens do conto não têm nomes: cada um é tratado de acordo com o carro onde está empacado. Há o engenheiro do Peugeot 404, o homem pálido e solitário do Caravelle, os recém-casados do Volkswagen. Nas primeiras horas, cinco horas, eles avançam uns 50 metros (segundo os cálculos do engenheiro do Peugeot). Mas não muito mais nas horas e dias seguintes. E vem a fome, e a sede, o frio, o sono, as necessidades fisiológicas.

Pouco a pouco, a “sociedade” do engarrafamento vai se organizando. Um consegue água, outro, cobertores, uma das freiras à bordo do 2HP descola um sanduíche de presunto, enquanto o Ford Mercury e o Porsche traficam mantimentos. Motoristas se conhecem, se apaixonam, alguns até morrem.  E eis que, de golpe, do mesmo modo fantástico como havia se formado, a enorme maçaroca de carros começa a se mover.  E então…

“…todos corriam a 80 km/h na direção das luzes que cresciam pouco a pouco, já sem que se soubesse direito para que tanta pressa, para que tanta correria na noite entre carros desconhecidos onde ninguém sabia nada dos outros”

O jovem Cortázar, pronto para encarar um engarrafamento

Numa entrevista dada muitos anos depois sobre o conto, Cortázar (1914-1984) contou a origem (e sua leitura crítica) da história.

“Estava na Itália e li um ensaio que afirmava que os trânsitos não tinham nenhuma importância: me pareceu superficial e frívolo dizer isso. Os engarrafamento são um dos signos mais negativos desta triste sociedade em que vivemos, que provam a contradição com a vida humana, a busca pela desgraça, a infelicidade, a exasperação através da grande maravilha tecnológica que é o automóvel. Ele deveria nos dar a liberdade e está nos trazendo as piores consequências. Nunca havia estado num congestionamento quando escrevi o conto. É curioso que alguns meses depois de ter escrito a história passei por isso. Estive durante cinco horas numa estrada de uma província francesa num engarrafamento. Descobri com surpresa e com uma sensação de fatalidade que o começo do conto se repete quando você está num verdadeiro congestionamento. Você desce do carro, pede um cigarro para o motorista ao lado, blasfema contra a prefeitura, os automóveis e tudo o mais. E logo há um momento em que começa muito calor e começam os problemas físicos, e vem uma senhora e pede água, porque uma criança está chorando. Foi uma experiência impressionante me ver dentro de meu próprio conto..” 

Soa bastante familiar, não?

 

P.s. Em agosto de 2010, o conto de Cortázar se materializou numa estrada chinesa, a via que liga Pequim ao Tibete. Um engarrafamento ao longo de 100 quilômetros da rota demorou 11 dias para ser desbaratado. Leia aqui bom texto do escritor espanhol Vicente Verdú sobre o episódio. 

P.s.2  Além de ter exibido sua destreza no congestionamento, Cortázar teve ótima performance em alta velocidade. Em parceria com Carol Dunlop, com quem era casado, ele escreveu no início dos anos 1980 o maravilhoso “Os Autonautas da Cosmopista”, relatando uma viagem pela estrada, de Paris a Marselha. Está esgotado há um par de décadas no Brasil. 

P.s. 3 O livro “A Autoestrada do Sul & Outras Histórias” inclui, pasmem, outras histórias. Entre elas, está a joia “O Perseguidor”, inspirada no saxofonista Charlie Parker, um dos favoritos de Cortázar, ao som de quem estas anotações foram escritas.

 

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A geopolítica dos sobrenomes europeus

Por elekistao
08/08/13 15:01

Há gente com tempo para tabular os sobrenomes mais comuns na Europa (e para chegar à conclusão de que a cada mil pessoas na Espanha 33 são da família García e 20 são da cepa dos Fernández ou dos González). E há gente que mesmo sem tempo para ler estatísticas de quais são os sobrenomes mais comuns na Europa não só as lê como ainda replica em blogs.

Quando tiver ainda mais tempo espero descobrir quantos Machados há em Portugal e quantos Eleks há na Hungria.

 

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Êxtase com controle remoto

Por elekistao
07/08/13 17:44

Além de ser um dos maiores escritores vivos, o norte-americano Don DeLillo é também doutor honoris causa no Elekistão (saiba mais aqui). Por isso, a publicação de um novo livro do autor no Brasil tem de ser celebrada nestas terras. “O Anjo Esmeralda” é a primeira coletânea de contos deste escritor de romances “bonsai” (como “A Artista do Corpo”) e de catataus à “Submundo”.

Obra de DeLillo anotada por David Foster Wallace

No novo livro, que a Companhia das Letras leva agora às livrarias, DeLillo exibe uma literatura menos paranoica, mais lírica, como bem exemplifica o conto “Criação”, de 1979. É dele que este blog pinçou um trecho, reproduzido abaixo (na sempre competente tradução de Paulo Henriques Britto). É uma cena de prazer, de alívio e de fruição (ainda que seja, afinal trata-se de DeLillo, um “êxtase com controle remoto”):

 

“Abri os olhos e vi nuvens impelidas pelo vento — nuvens de vento em popa — e uma única fragata pendurada numa corrente de ar, as asas longas planas e imóveis. O mundo e todas as coisas nele contidas. Eu não era bobo de achar que estava vivendo algum momento primevo. Era um produto moderno, aquele hotel, planejado para dar às pessoas a sensação de que elas haviam deixado para trás a civilização. Mas se eu não era ingênuo, também não sentia vontade de alimentar dúvidas sobre aquele lugar. Tínhamos vivido meio dia de frustrações, longas idas e vindas num carro, e o toque refrescante da água doce em meu corpo, e a ave a sobrevoar o oceano, e a velocidade daquelas nuvens baixas, aqueles imensos píncaros a desabar, e a sensação de flutuar sem peso, girando lentamente na piscina, como uma espécie de êxtase com controle remoto, tudo isso me fazia sentir que eu sabia o que era estar no mundo. Uma coisa especial, sim. O sonho da Criação que brilha no limite da busca de quem viaja a sério”. (trecho do conto “Criação”, de “O Anjo Esmeralda”, p. 15).   

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O "Brasil" segundo os egípcios

Por elekistao
02/08/13 17:37

Há mais links no ar entre Brasil e Egito do que as recentes megamanifestações populares contra o poder. E o assunto é, surpresa, “aquecedores de água”.

Começou a ser exibida há uma semana na TV aberta egípcia uma propaganda “ambientada” no Rio de Janeiro, estrelada por um dos grandes astros locais, o ator quarentão Ahmed Ezz.

Assista (abaixo), antes de continuarmos.


Pois bem: no filme, o “Rodrigo Santoro” egípcio (“Latino” talvez encaixasse melhor) está dirigindo seu conversível, no “Rio de Janeiro” quando vê uma bela donzela descarregando de uma kombi amarela um aquecedor de água Universal, marca gigante local de eletrodomésticos. Prontamente se oferece para ajudar a instalar o aquecedor, com a clara missão de conseguir se infiltrar em seguida no primeiro banho quente da morena. Nada feito. Vai direto para a banheira, onde entoa sua própria versão de “Garota de Ipanema”: “Olha que coisa mais linda que é a Universal…”. Ao final, o galã espera a moça voltar do banho para continuar sua cantada. Mas quando ela ressurge, está acompanhada de um moço de cabelos rastafári. Isso tudo ao som de Michel Teló. 

Um amigo que vive no Cairo, o grande Sherif Bakr, enviou o vídeo com a mensagem “Veja como os brasileiros estão sendo vistos aqui no Egito”. E a ele ofereço o seguinte jogo dos sete (poderiam ser 18) erros.

1) Há, logo no início, uma placa com a palavra “Hacienda”. 

2) O pai da moça faz uma “siesta” com um chapéu de palha (que poderia ser do Caribe ou da Polinésia) cobrindo o rosto. Ele usa uma camisa com estampas (do Havaí, talvez?).

3) Ele se expressa em inglês (ainda faria sentido se esta fosse a “língua” do comercial, mas a moça fala em português).

4) Ele se distrai jogando “cubo mágico”. Alguém?

5) O galã sugere para a moça e para a sua mãe que tomem um cafézinho. Nenhum café lhe é oferecido.

6) Há uma arara vermelha na sala.

7) Em pleno Rio de Janeiro, uma jovem deixa um estranho que está passando de carro entrar na casa dela para ajudá-la a instalar um aquecedor de água.

Depois deste exasperante exercício de rigor científico-antropológico-propagandístico, o Elekistão foi além. Descobriu que o filme, estrelado por uma modelo chamada Herika Fernanda de Noronha (talvez o único produto realmente nacional no anúncio), não foi feito nem no Rio, nem no Egito, mas em Beiruth, no Líbano (como a vegetação que aparece nos breves segundos em que Ahmed Ezz dirige pela estrada indica).  

Segundo Sherif,  o comercial fez bastante barulho por um motivo que não ocorreria ao brasileiro corrente. Ele diz que no Egito causa escândalo uma garota aparecer com o namorado na frente dos pais, tal como faz a “Isabela” do filme.

Bem, devem ter calculado os publicitários egípcios: “É uma brasileira…”.

O Elekistão sugere amigavelmente às duchas Corona que, caso resolvam filmar um “banho de alegria” ambientado no Cairo, façam uma consultoria com um nativo (posso passar o contato do amigo Sherif).

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O dia em que falei com Christo

Por elekistao
31/07/13 12:51

Nunca poderia imaginar que Christo falasse tão rápido. Imaginava uma conversa tranquila e pausada, zen. Mas o homem era uma metralhadora.

Falou por uma hora, deixando poucos espaços para as minhas perguntas.  Eu tinha uma porção delas. Não é sempre que se fala com Christo.

E antes que o trocadilho se perpetue, este post trata do famoso artista búlgaro naturalizado americano de 78 anos.

Christo, em seu ateliê, em Nova York, em foto de Wolfgang Volz

Ele é aquele, você sabe, que embrulhou uma porção de coisas pouco embrulháveis: o parlamento da Alemanha, a Pont-Neuf, em Paris, ilhas em Miami e um trecho da costa australiana.

O Reichstag embrulhado por Christo e Jeanne-Claude

A primeira vez que eu o vi pessoalmente, no final dos remotos anos 1990, na Feira de Frankfurt, ele e sua parceira (de vida e arte), Jeanne-Claude, davam uma entrevista coletiva, por conta do lançamento de um livrão retrospectivo da longa e importante trajetória deles.

O diabinho trocadilhista que vive pousado sobre meu ombro esquerdo me soprou uma pergunta engraçadinha para eu dirigir aos entrevistados. Mas a sala estava tão apinhada que mal dava para me aproximar. Mas desta vez, ao final de uma hora de conversa (séria), eu não me contive.

Christo, você tem planos de embrulhar o Cristo Redentor?

Ele sorriu (a educação é uma arte). E fez um breve silêncio.

Quem leu a entrevista que fiz com ele, publicada no domingo, na revista “Serafina” (quem não leu, por favor clique aqui), sabe que o artista nem mesmo trabalha mais com “embrulhos”. Vem tentando “desembaraçar” sua imagem deste estigma. 

Mas quando perguntei, ele sorriu. E complementou: “É. Isso seria interessante”.

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