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Elekistão

Notas sobre o universo cultural e adjacências

Perfil Cassiano Elek Machado é repórter especial da Folha

Perfil completo

O silêncio puro-sangue

Por elekistao
25/04/13 15:29

I would prefer no to wear it

Estes dias o “New York Times” alardeou que nove cartas de juventude de J.D. Salinger tinham sido compradas pelo Morgan Library & Museum, e sobre elas publicou uma reportagem (que você pode ler aqui).

Depois de mais de duas semanas sem poluir a grande rede com nenhuma de suas considerações, arrazoados e carraspanas, o Elekistão não poderia abraçar-se a outro tema que não o silêncio.  

Jerome David Salinger (1919-2010) foi um puro-sangue do silêncio.   

Tenho o mais sincero respeito por: a) escritores que em algum momento deixam de escrever; b) escritores que não falam sobre o que escrevem, com a imprensa ou com quem quer que seja; c) escritores que jamais escreveram nada.

Salinger não teve o prazer de adequar-se ao item “c” (um clássico “c” foi Jayme Ovalle, tema de biografia magnífica de Humberto Werneck, e, em notas relacionadas, o ensaísta francês do século 17 Jean de la Bruyère afirmou: “A glória ou o mérito de certos homens é de escrever bem; de outros, é de não escrever”), mas foi um “a” e um “b” de primeiríssima linha.

Bem que tentaram fazê-lo falar.  Certa feita, o escritor e jornalista Ron Rosenbaum montou guarda no vilarejo de Cornish, em New Hampshire, a “aldeia gaulesa” onde o escritor de “O Apanhador no Campo de Centeio” se refugiava. Não deu muito certo, mas Rosenbaum publicou na revista “Esquire” um texto de 70 metros de extensão sobre o episódio, que a Folha reproduziu numa série, em 1997 (leia aqui a apresentação dela).

A caixa de correio de Jerome David

Houve ainda o fotógrafo que roubou uma foto do escritor, quando este saía de um mercadinho. Não me lembro, de imediato, de um rosto mais assustado. Já octogenário, cabelos brancos e ralos, Jerome David tem a testa franzida por quatro vincos profundos (o medo desenhou gaivotas em sua testa) e se protege com o punho direito, da câmera que aponta para ele em contre-plongée.

Era tudo o que Salinger não queria. Pela voz de seu personagem mais famoso, Holden Caulfield (d'”O Apanhador”), o escritor tinha anotado o seguinte: “Juro por Deus que, se eu fosse um pianista, ou um autor, ou coisa que o valha, e todos aqueles bobalhões me achassem fabuloso, ia ter raiva de viver. Não ia querer nem que me aplaudissem. As pessoas sempre bateram palmas pelas coisas erradas. Se eu fosse pianista, ia tocar dentro de um armário.” (pág. 75 de “O Apanhador no Campo de Centeio”). Este era o mais puro mood Salinger.  

Por mais que entenda o furor natural causado no “micromundoliterário” pela aparição das cartas de juventude de Salinger (há sede, oceânica, por qualquer escrito do homem, há mais de meio século), secretamente gostaria que as correspondências não tivessem deixado a gaveta da bela sra. Marjorie Sheard, para quem foram remetidas nos anos 1940.  

Não digo isso por conta dos aspectos éticos subjacentes à publicação de textos particulares de escritores que já morreram, nem porque, neste caso, elas parecem pouco acrescentar à compreensão de quem foi, o que pensava e como trabalhava este escritor (como ele disse, “as pessoas sempre bateram palmas pelas coisas erradas”). Prezo em especial o silêncio de J.D. Salinger. Não sei explicar o motivo, mas algo me diz que tem a ver com o seu velho e assustado retrato.  

 

Post-scriptum: não há, provem-me o contrário, melhor romance sobre o silêncio literário do que o “Bartleby e Companhia”, de Enrique Vila-Matas. O espanhol, não custa lembrar, parte da obra-priminha de Herman Melville “Bartleby the Scrivener”. É dela, não custa lembrar parte 2, que vem a frase da camiseta que adorna este post, produzida pela ótima editora norte-americana Melville House.

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Alvorada arquivada

Por elekistao
08/04/13 21:34

A rigor, o que realmente interessa deste breve post é esta imagem abaixo.

“Alvorada”, aquarela de Cícero Dias (1928)

Esta belezurinha de aquarela passou os últimos 85 anos arquivada, desde que foi exposta na primeira mostra individual de Cícero Dias, em 1928, no saguão do “hospício” Policlínica Geral do Rio de Janeiro, a marcante estreia do pernambucano.

A obra foi resgatada recentemente pela viúva do artista, a encantadora francesa Raymonde Dias, e entregue ao galerista de longa data de Cícero, o paranaense Waldir Simões de Assis Filho. “Alvorada” saiu de seu sono profundo direto para uma das paredes da Simões de Assis Galeria de Arte, na feira SP-Arte, que terminou no domingo em São Paulo.

Conheci Cícero Dias quando ele tinha 93 anos (leia reportagem aqui). Era um sujeito delicado e forte como a “Alvorada” acima. Ele me recebeu, lépido e fagueiro, em seu apartamento próximo da Torre Eiffel, na rue de Longchamps, em Paris.

Só aceitou começar a entrevista depois que tomássemos ambos um copo de whisky. Missão cumprida, sacou um caderno onde estava fazendo esboços para uma praça que projetava em Recife. Ela foi construída, e batizada com o nome da obra mais famosa de Cícero (“Eu Vi o Mundo, Ele Começava no Recife”, o delicioso e gigantesco painel dos anos 1920 que, infelizmente, está numa coleção particular há muitos anos).

Os desenhos do velho Cícero e as obras que decoravam seu apartamento eram abstrato-geométricos, como os que ele começou a fazer nos anos 1940. Mas sua conversa evocava esse passado aquarelado, as cores do Recife da sua juventude.

Foi lá, na capital pernambucana, que encontrei o artista pela última vez, para esta matéria aqui. Eu o entrevistei numa sombra, sob uma árvore da praia de Boa Viagem. Lembro que ele falou sobre o azul anil e sobre o verde dos canaviais. Foi bom reencontrar aqui e acolá estas tonalidades, nesta bonita “Alvorada” que enfim escapa de uma gaveta francesa.

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#Instaexposições

Por elekistao
04/04/13 13:45

Houve tempo, que os olhos já não conseguem enxergar, em que amigos e parentes se reuniam para projetar slides: o titio mostrava instantâneos de seu intrépido camping no litoral, o casal de pombinhos repassava as cenas do casamento no bufê, o vovô mostrava os recuerdos de quando levou a patroa para conhecer Buenos Aires.

Há pelo menos um par de anos, a sessão de slides global, ininterrupta, gigantesca e, voilá, com filtros, se desenvolve no ambiente virtual Instagram.  E isso até a mais amarrotada revista do mais empoeirado consultório médico já explicou, em detalhes.

Foto de Everton Ballardin (@everball)

Mas de uns tempos para cá, mais tempos do que tinha conhecimento o distraído povo de Elekistão, as imagens freneticamente distribuídas e consumidas por meio deste “aplicativo” estão ganhando caprichadas exposições em galerias de arte e em museus.

Há atualmente em São Paulo, ao menos uma “instaexposição” em cartaz, e na gloriosa Pinacoteca do Estado: a mostra “Pinagram I – Retratos”, com imagens colhidas e selecionadas por um dos principais curadores de fotografia do país, Diógenes Moura.

E no fim da tarde desta quinta-feira (habemus notícia, por fim), das 18h às 22h, começa uma nova exposição do gênero, também em São Paulo. Trata-se da mostra #IgersHocDieExpo, com fotos de 11 “instagramers” (algumas delas ilustram este poust), escolhidas pelo fotógrafo, militante fotográfico, jornalista e curador Juan Esteves.

Foto de Helena de Castro (@helenadecastro)

A instaexposição ficará em cartaz no espaço HocDiedesign (r. Peixoto Gomide, 1887, tel. 0/xx/11/3088-6141). Ela é composta de 110 imagens, dez por cabeça, e serão vendidas por R$ 360 (com tiragens de 25 cada uma).

Foto de Marcelo Prista (@mprista)

Esteves selecionou um elenco misto: fotógrafos profissionais, como Everton Ballardin (a.k.a. @everball) e Helena de Castro (@helenadecastro), e profissionais das mais variadas áreas de atuação (Patrícia Ponte, a @titaponte, é médica obstetra, Pimpa Brauem, a @pimpabr, é jornalista e Marcelo “@mprista” Prista é diretor de arte), todos praticantes, sem moderação, da instagramia.

Foto de Elaine Eiger (@elaineeiger)

A exposição terá duração “insta”. Fica em cartaz, fisicamente, só até o dia 13 de abril. Mas continua, a seu modo, em um dos 6 bilhões de celulares (dados recentes da ONU) perto de você, com a hashtag #igershocdieexpo.

Foto de Patrícia Ponte (@titaponte)

Post-scriptum: o Elekistão, sob o inescrutável nome de @cassianoelek, povoa o Instagram de imagens de gatinhos bebês e retratos de pratos de comida. 

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Saludos a Roberto Bolaño

Por elekistao
02/04/13 10:20

Encontrei há pouco a seguinte anotação num dos caderninhos cinzentos da Folha:

“Foi nos dias em que eu estava obcecado em construir um ciborgue capaz de suportar qualquer intensidade de desamor, ou pelo menos foi durante essas semanas quando você notou como o cabelo dele brilhava quando atravessa as ruas ou de que estranha maneira você o encontrava, sempre só ou mal acompanhado, em alguns cafés da parte antiga da cidade, e, sem se atrever a permanecer muito tempo ao seu lado, você fingia escutar as histórias brevíssimas que ele te contava, engrossando a voz do princípio ao fim, tão diferente, a essas alturas, ou nessas trincheiras, me desculpe, do explosivo exilado que conhecemos há tempos.”

 

Desenho de Roberto Bolaño

Demorei a entender que se tratava de um trecho de um texto, um dos muitos inéditos, de Roberto Bolaño (1953-2003).  Havia anotado estas linhas de “Las Rodillas de un Autor de S.F. Atrás”, já mal traduzidas por mim mesmo na ocasião, durante uma visita à exposição “Arxiu Bolaño 1977-2003”, no Centre de Cultura Contemporània de Barcelona (o CCCB). Estive lá para escrever esta matéria aqui, para o caderno Ilustríssima, da Folha.

Não sou um dos chamados “Bolañistas Salvajes”, os entusiasmados entusiastas de longa data por esse escritor chileno-mexicano-catalão-marciano. Fiz uma varredura em meu gmail e encontrei, por exemplo, uma mensagem que um amigo, experimentado bolañista e bolañólogo, me enviara em 22 de setembro de 2005 tentando, já naquela época, e sem resultado, me bolañizar.

Mas feitos todos os descontos (ou seja, subtraída a hagiografia que cerca os artistas que morrem antes do tempo, relevado o fetichismo de uma mostra como esta, repleta de objetos pessoais, como os característicos grandiosos pares de óculos do escritor, minimizados os mitos que cercam a trajetória bolañista, como a do sujeito que não quis se tratar da doença que viria a matá-lo por conta do comprometimento com o livro que estava terminando, o colossal 2666), não há como não se emocionar com a exposição, em cartaz até o final de junho, em Barcelona.

“De lo perdido, de lo irremediablemente perdido, sólo deseo recuperar la disponibilidad cotidiana de mi escritura, líneas capaces de cogerme el pelo y levantarme cuando mi cuerpo ya no quiera aguantar más”, escreveu Bolaño num caderno, onde desenhou a figura acima, com um sujeito que se carrega pelos cabelos, impulsionado pelo coração.

Neste comecinho de abril, mês em que Roberto Bolaño completaria seus 60 anos, embalado por estas anotações esparsas de meu caderninho, e pela leitura tardia dos magníficos Os Detetives Selvagens, envio mis saludos más cordiales à memória deste grande figura, criador de ciborgues capazes de suportar qualquer intensidade de desamor e esforçado e ingenioso amante da ficção.

Post-scriptum: Como estou a um passo de bolañizar-me resolvi, por via das dúvidas, guardar com cuidado o botton distribuído na abertura da exposição catalã.

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O melhor romance de todos os tempos

Por elekistao
25/03/13 16:39

Com a morte de Chinua Achebe, na quinta passada, eu me lembrei que, por algumas horas, em maio de 2002, manadas de jornalistas do mundo todo acreditaram (e divulgaram) que o escritor nigeriano teria escrito aquele que poderia ser considerado o melhor livro de ficção de todos os tempos. A obra em questão era “Things Fall Apart” (“O Mundo se Despedaça”, na edição brasileira, da Companhia das Letras).

Capa da primeira edição do clássico de Chinua Achebe

A história começa na gélida Oslo.

No início de 2002, o Clube do Livro da Noruega (mais conhecido por lá como Bokklubben, corrijam-me os leitores norugueses do Elekistão) resolveu empreender uma das mais ambiciosas enquetes literárias de todos os tempos. Com o apoio do The Norwegian Nobel Institute, a agremiação noruguesa perguntou a cem dos maiores escritores vivos, de 54 países diferentes, quais eram os dez livros de ficção mais importantes da história. Votaram figurões como Norman Mailer, Orhan Pamuk, Salman Rushdie, VS Naipaul, Carlos Fuentes, Nadine Gordimer (fã confessa de Achebe) e grande elenco.

Por questões internas, os escandinavos resolveram que a lista seria divulgada sem que se revelasse que obras foram as mais votadas. Mas, por algum motivo, esta informação perdeu-se quando a relação dos Top 100 (veja a lista aqui) começou a circular, no início de maio de 2002.

Como haviam organizado a lista por ordem alfabética de sobrenomes, o grande Chinua Achebe (leia aqui entrevista dele ao The Paris Review) ficou na pole position, logo à frente de Hans Christian Andersen. Lembro de ter ouvido e lido mais de uma referência ao fato de um livro de um escritor não tão conhecido da África (pior, houve quem se referisse a ele como “uma escritora”: “Quem é essa Chinua?”) ter sido eleito o melhor de todos os tempos.

Pouco depois ficou claro que o Clube Noruguês não tinha organizado um ranking (limitaram-se a dizer que o mais votado havia sido “Dom Quixote”, de Cervantes, com votos de mais de 50% dos consultados). Mas por alguns instantes, Achebe foi o maioral.  

Capa de 1ª edição brasileira de Achebe, de 1983 (ed. Ática)

Post-scriptum: O diário escocês The Scotsman publicou à época da pesquisa um pequeno texto com algumas informações interessantes sobre a seleção. Além de lamentar que nenhum livro escocês havia sido selecionado (e olha que é a terra de Robert Louis Stevenson, Walter Scott, Robert Burns e, why not?, J.K. Rowling), o jornal sublinhava que: dois terços dos livros foram escritos por europeus, metade deles era do século 20, 11 haviam sido escritos por mulheres e nove eram de autores vivos quando a lista foi feita (desde então, já morreram, além de Achebe, o sudanês Tayeb Salih, o egípcio Naguib Mahfouz e o português José Saramago: que representou a língua, em joint-venture com Fernando Pessoa e com Guimarães Rosa). 

 

     

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Frankensteins também deixam saudade

Por elekistao
22/03/13 13:56

O escritor Joca Reiners Terron relembra (numa cortesia Twitter.com) que ontem Valêncio Xavier teria completado 80 anos. Fascinante espécie do filo das Avis Raras, o escritor, cineasta, romancista visual, jornalista e agitador cultural paranaense recebeu, do mesmo Terron, o apropriado apelido de Frankenstein de Curitiba, uma referência direta ao maior prosador desta cidade, o fugidio Dalton Trevisan, 88 (há décadas conhecido como o Vampiro da mesma cidade).

Valêncio Xavier encarna um Frankenstein para o fotógrafo João Wainer

Conheci Valêncio Xavier Niculitcheff em março de 1999. Depois de décadas de maravilhosas criações ou criaturas (termos mais adequados do que “filmes” ou “livros”) que mesclavam com originalidade fotografia e literatura, cinema e poesia, VX deixava pela primeira vez o underground paranaense, com a então recente publicação do volume “O Mez da Grippe – E Outros Livros” pela Companhia das Letras (esgotado há tempos e encontrável por até 300 dinheiros na Estante Virtual).

Fui visitá-lo por conta de outro livreto, a primeira publicação inédita em muitos anos de Xavier, a inclassificável “Meu 7º Dia, uma Novella-Rébus”, um dos primeiros títulos da saudosa e efêmera casa editorial Edições Ciência do Acidente.

Xavier vivia numa rua das mais pacatas de Curitiba, numa igualmente pacata casa guardada por um daqueles portõezinhos simbólicos, que batem no joelho dos visitantes. Dentro de casa, um enorme amontoado de coisas. Coisas e mais coisas de todos os tipos de coisas: livros, papéis e enfeites que faziam lembrar vagamente o bar Pavilhão Chinês (o templo do kitsch em Lisboa).

Pesadelo dos pesadelos jornalísticos, me dei conta, pouco antes de apertar a campainha, que estava sem gravador. Assim, a primeira pergunta que fiz ao entrevistado foi: você por acaso tem um aparelho para me emprestar?  É claro que tinha. O que será que não teria Valêncio?

Foi com um gravador K7 cinza chumbo do tamanho de uma caixa de sapato, que o escritor insistiu veementemente que ficasse comigo após a entrevista (é um aparelho dos anos 1970, com oito pilhas A2, e ainda funciona que é uma beleza), que fiz a entrevista, publicada na capa da Ilustrada de 20 de março de 1999. Infelizmente não tenho a íntegra da conversa, que lembro ter durado quase duas horas, mas reproduzo aqui o que foi publicado, já que não encontrei o texto disponível online. Vale espiar também a breve, idiossincrática e valencioxavieriana homenagem que o jornal paranaense “Gazeta do Povo” fez ao escritor há alguns dias.

 

Frankenstein de Curitiba mostra nova cria literária
O escritor Valêncio Xavier lança “Meu 7º Dia”, seguindo a receita de “escrever torto por linhas certas”


CASSIANO ELEK MACHADO
enviado especial a Curitiba
Valêncio Xavier não tem três metros de altura, pinos saindo das têmporas nem a pele esverdeada. Mas entre os apelidos que já recebeu em 65 anos de vida, um de seus favoritos é “Frankenstein de Curitiba”.
Não que o escritor paulistano radicado na capital paranaense se considere um monstro. Frankenstein, na história original de Mary Shelley, de 1818, não era a criatura sorumbática que hoje atende por esse nome em desenhos animados e histórias em quadrinhos. Frankenstein era o cientista que, costurando pedaços de cadáveres, criou o monstrengo.
É justamente a costura de coisas esquecidas uma das marcas mais fortes da literatura de Xavier.
Na próxima segunda-feira, uma nova criatura do escritor passeia por São Paulo. Nesse dia, será lançado no bar Finnegan’s Pub o livro “Meu 7º Dia, uma Novella-Rébus”, editado pela novata Edições Ciência do Acidente.
É o primeiro livro inédito de ficção do autor desde 1986, quando lançou “O Mistério da Prostituta Japonesa & Mimi-Nashi-Oichi”.
Até 98, esse livro, assim como os outros de Xavier, só eram encontrados em raríssimos sebos e nas estantes de intelectuais como Bóris Schnaidermann e Décio Pignatari.
Em outubro do ano passado, cinco obras de Xavier foram reeditadas pela Companhia das Letras em apenas um volume, com o título “O Mez da Grippe e Outros Livros”, finalista como romance e vencedor na categoria produção gráfica do Prêmio Jabuti.
Assim como em “O Mez…”, em “Meu 7º Dia” o escritor apresenta uma espécie bem-acabada do gênero “narrativa visual”.
Como disse Décio Pignatari recentemente para um jornal paranaense , “a narrativa visual é muito nova no mundo; Valêncio é pioneiro no mundo todo”. Por narrativa visual, entenda-se a arte de contar uma história promovendo a interação constante de ilustrações e de texto.
Em “Meu 7º Dia”, por exemplo, o escritor costurou ilustrações de um antigo livreto religioso, desenhinhos recolhidos em revistas velhas e pequenos textos de sua autoria. Nesse bordado entram ainda um fragmento de um verbete enciclopédico que explica quem são os ainos, “tribo bárbara que habita o norte do Japão”, e letras de canções populares.
Escorando essa trama, Xavier diz existir um enigma. Ele não explica qual é a charada e brinca que “dá todo o dinheiro do bolso se alguém descobrir, coisa que ninguém fará”.
Para conversar sobre os enigmas de sua literatura, o “Frankenstein” Valêncio Xavier recebeu a Folha em sua casa, que fica próxima da morada de outro “monstro literário”, o escritor Dalton Trevisan, o “Vampiro de Curitiba”.
*
Folha – Em “Meu 7º Dia”, o sr. crava: “Será que escrevo torto por linhas certas?”. O sr. acha que essa frase pode ser usada para definir sua literatura de um modo geral?
Valêncio Xavier – De certa forma sim. Esse é um trocadilho com Deus, que escreve certo por linhas tortas. Não sei muito bem porque coloco algumas coisas em meus textos. Acho que é porque sou um cara destrambelhado quando escrevo. Não faço a coisa da maneira certa. Escrevo torto.
Folha – Como é o processo criativo de um texto “torto”?
Xavier – A história que a gente quer contar acaba levando a gente. Não sou um cara de planejar uma história com minúcias. Tenho uma vaga idéia do que quero quando começo a escrever. Acho que, como na vida real, a história vai tomando os rumos que ela quer, não os que escolhemos. Claro que queria saber construir um livro como fazia Jorge Luis Borges. Eu não sou bem assim.
Folha – Mas o sr. também não parece adepto de uma escrita automática, como a que faziam os surrealistas e dadaístas.
Xavier – Não. Eu também vou colocando meus tijolinhos nos lugares certos. Pelo que as pessoas dizem, minha literatura até aparenta ser uma construção bem feita. Só espero que eu não seja um Sérgio Naya e que meus prédios não desabem de uma vez (risos).
Folha – O que tem por trás desses edifícios?
Xavier – Na verdade, acho que tudo o que faço é brincadeira. Tem gente que se horroriza quando eu digo isso. Mas é um outro significado da palavra brincadeira. A maioria dos escritores brasileiros carregam mágoas em seus textos. Eu não. Não tenho nenhuma preocupação em deitar sabedorias, em mostrar minha ideologia. Tenho quase certeza de que não tenho nada a dizer para o mundo. Não tenho mensagens, não quero ditar regras. Meus livros são apenas para serem lidos.
Folha – “Meu 7º Dia” conta uma história de desilusão amorosa?
Xavier – É. O livro pode parecer tratar de um acerto de contas meu com Deus, mas isso é apenas o começo do livro.
Folha – Não seria um acerto de contas seu consigo mesmo?
Xavier – Acho que sim. Tudo o que escrevo é na primeira pessoa. Estou falando no livro do meu sétimo dia. De minha morte.
Folha – E quando foi esse seu sétimo dia?
Xavier – Não vejo diferença entre a coisa inventada e a acontecida. Minha morte pode não ter acontecido, mas no livro acontece. Então ela existe. Se me dou ao trabalho de escrever sobre uma desilusão amorosa falsa, ela passa a ser verdadeira. Aqui trato de uma coisa inventada. Mas o autor, queira ou não, teve que passar por todo o sofrimento da desilusão amorosa. Quem toma um fora morre.
Folha – O que o sr. pensa do apelido que o poeta e editor Joca Reiners Terron lhe deu: o “Frankenstein de Curitiba”?
Xavier – Meus advogados vão resolver isso (risos). Acho ótimo o apelido. O doutor Frankenstein pegava pedaços de cadáveres e juntava as coisas. Eu faço literatura com pedaços de coisas.

Na mesma página, havia outro texto meu, onde Xavier me convidava a espiar o livro no qual trabalhava, e que viria a ser publicado em 2001 pela Companhia das Letras, com a capa abaixo.

Autor finaliza ‘Menino Mentido’ 

do enviado a Curitiba
“Venha ver o Valêncio Xavier do ano 2000”, diz o próprio, com os olhos brilhando.
Sobre a mesa, ele estende um caderno espiralado em cuja capa está escrito “Menino Mentido”. Projeto iniciado em outros carnavais, o livro só foi finalizado durante as folias de momo deste ano, quando Valêncio “aproveitou que não tinha que trabalhar” e gastou “das 6h às 24h” para lapidar os originais.
“Menino”, que será publicado no ano que vem pela Companhia das Letras, é uma colagem de experiências do escritor quando criança. “Mentido”, explica Valêncio, “também significava, em sua origem, aquilo que gorou. O ovo que não foi chocado é um ovo mentido”.
“Menino” não é o único projeto atual do escritor. Antes dele, devem vir as meninas. Ou melhor, “Las Meninas y Otras Niñas”, conjunto de três de suas criações que será publicado este ano pela editora Artes e Ofícios, de Porto Alegre.
O livro vai reunir os trabalhos “Las Meninas”, recriação do célebre quadro de Velásquez a partir de experiências do escritor, recortes de notícias de jornal e do extinto programa de TV “Aqui e Agora” sobre uma garota morta em um parque de diversões e “Ponto Cantado Ponto Riscado da Menina de Rua de 12 Anos Curitibana”, historieta de uma menina que pede dinheiro no farol.
No mesmo armário que ficam todas essas meninas, está um dos projetos preferidos do escritor, que ainda não encontrou uma editora para ele.
“Minha Mãe Morrendo” trata exatamente do que expressa o título. Usando fotos familiares e textos que deixam expostos momentos delicados da relação com sua mãe, o escritor criou uma obra que ganhou o seguinte comentário de Décio Pignatari: “‘Minha Mãe Morrendo’ é uma das melhores narrativas visuais de qualquer tempo, não importa se aqui ou fora daqui”.
Paralelamente a meninos, meninas e mães, Valêncio anda metido com Cristo. INRI Cristo, curitibano que acredita ser o próprio Jesus, foi tema do vídeo “Nascimento, Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”, que o escritor dirigiu em 1997. Agora ele pretende terminar de montar o filme e transformá-lo em um longa-metragem.

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Zingg Maravilha

Por elekistao
12/03/13 17:39

Embora tenha sido heavy user do Facebook, há bocados de tempos me desinteressei pelo “Livro das faces”, como a ele se refere um bom amigo. Há entulho demais por aquelas bandas azuladas. Mas em uma espiadela ocasional nas “notificações” que recebi, me dei conta de algo magnífico: Elke Maravilha havia aceitado meu pedido de amizade.

David Zingg vê Elke Maravilha como Marylin (1975)

Elke, a incrível mulher de Leningrado, mereceria todo um grandioso e purpurinado post em Elekistão (quizás até um apartado neste site, com o título de Elkistão). Mas não é dela que aqui se trata.

Fiquei “amigo” dela enquanto escrevia um texto para a revista “Serafina” sobre o mestre da fotografia (e do bem viver) David Drew Zingg (1923-2000). Havia decidido escrever sobre o americano de Montclair porque o Instituto Moreira Salles (IMS), centro de excelência em fotografia, havia fechado acordo com os herdeiros de Zingg para receber, em comodato, todo o seu arquivo.

O tamanho do acervo demonstra que, apesar de sua notória boemia, Zingg era um tremendo hardworker. O coordenador de fotografia do IMS, Sérgio Burgi, estima que entre 150 mil e 200 mil imagens, em sua maioria diapositivos em 35 mm, estejam na reserva técnica da instituição, atualmente sendo submetidas a higienização e climatização.

E onde entra a Elke nesta história, questionará o incauto?

A senhorita Maravilha foi amiga de Zingg, que a fotografou lindamente. Um dos retratos dela foi até mesmo o escolhido pela competente equipe de designers da “Serafina” para ilustrar a abertura da matéria. Um terceiro exemplo (além da Elke à Marylin Monroe daqui de cima) é este aqui:

Elke exibe o penteado para Zingg

Ainda que estas imagens, e as demais fotos incluídas na reportagem (todas de Zingg, emprestadas gentilmente pelo Instituto Moreira Salles), evidenciem o colossal talento do americano na arte do retrato, Elekistão apresenta abaixo, junto a uma versão ampliada do texto publicado originalmente na revista (na edição de março/2013), outros exemplos da originalidade do olhar zínggico.

Cartaz na esquina da av. Ipiranga com a av. São João (1978)

Isso em mim provoca imensa dor, mas tudo indica que Tom Jobim também desafina. A história está até numa enciclopédia: num bar de Ipanema, o compositor advertiu um americano branquela que cogitava mudar para o país: “David, o Brasil não é para principiantes”.

Zingg, o David em questão, poderia ser quase qualquer coisa, menos principiante. Ex-piloto de bombardeios B-17 na Segunda Guerra Mundial, ex-plantador de bananas em Honduras, amigo de John Fitzgerald Kennedy, Ph.D em dry martinis bem secos e em hambúrgueres suculentos, o jovem astro do jornalismo americano David Drew Zingg estava pronto para tudo. Ipanema estalou os dedos, e ele veio correndo atender seu chamado. Zingg não foi mais o mesmo, mas nosso país tampouco.

Quando num açougue em Cochabamba ou num trem no Sri Lanka tocarem “The Girl of Ipanema”, haverá algo de David Zingg no ar, como se esclarecerá adiante. Antes, as fotografias, que é delas que tratamos aqui.

Não foi amor à primeira vista, o de Dave com as câmeras.  Nascido em Montclair, em Nova Jersei, em 1923, ele estudou história e literatura na Universidade Columbia, em Nova York, e foi editor e repórter em revistas de grande prestígio em seu tempo, como a “Life” e a “Look”.

Não estava mal no ofício: num dia circundava a ilha de Mallorca, na Espanha, em companhia do pintor Joan Miró, noutro viajava pelos Estados Unidos com a orquestra de Duke Ellington. Mas eis que teve algum tipo de estalo. “Depois de sete anos em ‘Look’, descobri que não era o grande poeta americano, que simplesmente não tinha talento para escrever o romance definitivo sobre a minha geração”, disse, em 1985 ao jornalista Geraldo Mayrink.

Tendo carregado muitas maletas de grandes fotógrafos, gente como Eugene Smith e Richard Avedon, resolveu que seria um deles: investiu 125 dólares numa Nikon e virou fotógrafo.

Lambe-lambe em Brasília (1960)

Retratou, dizia ele, figuras como Winston Churchill, Che Guevara, Marcel Duchamp, Louis Armstrong, Lawrence Durrell e o velho parceiro de iatismo JFK.
Em 1959, os ventos o trouxeram pela primeira vez ao Rio de Janeiro. Chegou a bordo de um veleiro chamado Ondine, quando cobria a corrida oceânica Buenos Aires-Rio para a revista “Sports Illustrated”. Era Carnaval e David se hospedou no Copacabana Palace. Comparava essa viagem à de Pedro Álvares Cabral.

Pintura retratando o Cristo Redentor (sem data)

Diferentemente do navegador, não deixou mais de descobrir o Brasil. Até que, diz a lenda, ou o próprio Zingg, uma chuva num final de dezembro de 1964 fez com que ele resolvesse ficar. Estava no país para fazer um ensaio para a revista “Look”, jantava na casa do amigo Sérgio Bernardes, quando um temporal impediu que voltasse ao hotel. O arquiteto ofereceu que ele se hospedasse uma noite. Ficou um ano.

Deixou a mulher e os três filhos em Nova York, e mudou-se de vez.
Não é exagero afirmar, como o fez um de seus grandes amigos, o jornalista e editor Matinas Suzuki Jr., que Zingg foi decisivo na mudança da fotografia nas revistas e na publicidade brasileira nos anos 1960. “Ajudou a criar, na imprensa local, os conceitos do ‘ensaio fotográfico’, cujo momento culminante foi a revista ‘Realidade’, e de ‘portrait”, escreveu ele na Folha (clique aqui), quando Zingg morreu, em julho de 2000.

Exemplo do peso histórico de sua arte está no livro “Fotografia em Revista”, que a Abril lançou em 2010, com uma seleção de mais de 350 fotografias que marcaram os 60 anos iniciais da editora. Uma das seis fotos escolhidas para a capa é de Zingg. 

Idealizador do projeto e membro do conselho editorial da Abril, Thomaz Souto Corrêa enxerga com clareza as qualidades do fotógrafo, de quem foi amigo.
“David tinha o olhar descomplicado”, opina. “Ele foi o caso mais rápido de assimilação de um estrangeiro que já vi. Virou um carioca em tempo recorde. Sua fotografia também conseguia alcançar um colorido brasileiro muito raro de se ver.”
Quando alguma revista da casa precisava de uma imagem bonita de pôr-do-sol, chamavam logo Zingg, o que justifica um de seus apelidos: “Sunset Zingg”.

Palmeira da fazenda Tombador, em Mato Grosso (1984)

Além dos trabalhos antológicos para revistas como “Manchete”, que foi sua primeira casa, e depois “Quatro Rodas”, “Pop” e, sobretudo “Realidade” (de Leila Diniz grávida e nua a Juscelino Kubitschek de meias, com os pés sobre a mesa), Zingg prestou importantes serviços à iconografia musical.

Fez os melhores retratos de todos os Pixinguinhas, Dorival Caymmis e João Gilbertos que se possa imaginar, além de ter assinado capas de disco de uma turma que inclui Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso (estes três, mais Nara Leão, Toquinho, Paulinho da Viola e companhia foram clicados juntos para uma capa da “Realidade”, de novembro de 1966, onde se usou pela primeira vez o termo MPB).

Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr., Zelito Viana, Barretão, Glauber e Leon Hirszman

Zingg também se aventurou pelo cinema. Ele fez a fotografia, por exemplo, de “Memórias de Helena” (1974), filme de David Neves. E também pode ser visto atuando, em pelo menos duas produções dos anos 1960: em  “O Bravo Guerreiro”, de Gustavo Dahl, fez o papel de senador O’Finney (e pode pôr em prática seu know-how de ter sido o assessor de imprensa do candidato à presidência dos EUA Adlai Stevenson); em “Garota de Ipanema”, de Leon Hirzman, representou um fotógrafo.

Letreiro de cinema (sem data)

O inquieto e andarilho Zingg, tipo que jamais calçava sapatos, foi personagem marcante também da turma da moda. Uma de suas amigas neste universo era a então manequim Elke Maravilha, de quem ele fez retratos dignos do codinome dela.
“O David enxergava a alma da gente”, relembra Maravilha, que recorda ter posado para Zingg caracterizada de personagens como Marylin Monroe, Josephine Baker e, como não, Elke Maravilha. “Ele tinha um humor deslumbrante. Viajávamos para Búzios e ficávamos dias enchendo a cara e rindo juntos.”

O publicitário Washington Olivetto também diz que teve importantes experiências etílicas com Mr. Zingg, seu personal trainer na arte do dry martini.
Mais do que isso, reputa ao amigo uma espécie de “pós-graduação em vida”. “Ele nos apresentava modelos maravilhosas, me mostrou bares como o Monkey, em Nova York, me fez conhecer figuras incríveis, como Hans Donner e Oscar Ornstein, o relações públicas do Copacabana Palace e dono da melhor agenda do Rio de Janeiro.”
Depois de muitas peripécias no Rio, como criar com os amigos André Midani e Lennie Dale um partido político só para estrangeiros residentes no Brasil, no final dos anos 1970 Zingg trouxe seus chapéus panamá e gravatas borboletas para São Paulo.

O centro de São Paulo, entre décadas de 1960 e 1970

Se no Rio ele havia se misturado com a turma do “Pasquim” e com a trupe do banquinho e violão, na capital paulistana se infiltrou entre os punks. Sim. Foi cantor da banda de punk-rock-humor Joelho de Porco. Punks também foram as experiências, pouco conhecidas, de fotógrafo de cenas de crimes na periferia paulistana, para o extinto jornal “Notícias Populares”.  Mas mais do que na fotografia ou na música, nos últimos anos de sua vida Zingg se expressou com a escrita.

Cardápio em vidro (sem data)

De 1987 a 2000, autodenominando-se Tio Dave, assinou centenas de elegantes crônicas na Folha. Nelas, empregava sua maravilhosa antena para antecipar aos “Joãozinhos”, como tratava nós leitores, a importância que teriam mais adiante grandes acontecimentos mundiais, como a internet, Bill Clinton ou até Giselle Bündchen (leia texto de Tio Dave sobre ela, um de seus últimos publicados, aqui). Também registrava histórias pessoais, como suas aventuras com as “Jennifers”, codinome que dava às suas jovens namoradas-amigas-pupilas. 

Mas não contou na imprensa nem um quinto de suas grandes histórias, como a prometida lá no começo deste texto. 

Numa noite de setembro de 1962, Zingg e o editor Robert Wool comemoravam no bar P.J. Clarke’s, em Nova York, a conclusão de uma grande matéria sobre música brasileira que haviam feito para a extinta revista “Show” quando, embalados por um dilúvio de whisky, como registra Ruy Castro em sua enciclopédia de Ipanema “Ela É Carioca”, tiveram uma grande e impossível ideia. 

 

Por que não fretar um avião e trazer os magníficos músicos de bossa nova para um show no Carnegie Hall,em Nova York. A revista jamais teria orçamento para tal, mas refeito da bebedeira, Zingg levou a centelha para a consulesa e poeta brasileira Dora Vasconcellos. Ela arregaçou as mangas e, em 21 de novembro de 1962, no lugar sonhado por Zingg, Tom Jobim, João Gilberto e companhia apresentaram a bossa ao mundo. 

Foi assim que o doce balanço a caminho do mar invadiu primeiro os EUA, depois o resto do mundo. Portanto, quando estiver no mercado em Tegucigualpa, no metrôem Ulan Bator ou numa sauna em Vladivostok e topar com a coisa mais linda que já viu passar, lembre-se do Tio Dave.

                              

Post-scriptum: Para ver mais retratos feitos por Zingg, de João Gilberto, Dorival Caymmi, Oscar Niemeyer, Leila Diniz, JFK, Juscelino, Pelé e Tostão, entre outros, visite este link aqui .

 

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Uma Seleção Brasileira das Letras

Por elekistao
08/03/13 15:29

O Elekistão andou calado porque este “one man empire” estava em missão diplomática na Catalunha, como o leitor mais atento da Folha poderá testemunhar na edição deste domingo.

Detalhe de “Os Super-Homens” (1965), de Rubens Gerchman

Nesta volta triunfal ao trópicos, o blog revela em primeira mão quais são os dez escritores mais promissores da literatura brasileira contemporânea.

[silêncio]

Não é, ressalve-se energicamente, uma lista elaborada pelo Elekistão, embora o grão-vizir destas terras tenha participado da enquete, com palpites substancialmente distintos dos que foram selecionados.

A telescópica pesquisa é uma empreitada de uma publicação de Curitiba, o jornal “Cândido”, da Biblioteca Pública do Paraná, uma das bibliotecas estaduais mais agitadas do país, dirigida hoje por Rogério Pereira (fundador do jornal literário “Rascunho”, que em abril completa 13 anos de atividades) .

Os coordenadores da publicação consultaram 15 críticos literários, jornalistas, tradutores de diversas partes do Brasil (a lista dos votantes está no post-scriptum) sobre quem eram os autores nacionais em atividade que seriam lidos daqui a 20 anos.

Os dez mais votados serão apresentados no número 20 do jornal, que circula, com distribuição gratuita, a partir de segunda-feira. E eles são, em ordem alfabética (não foi revelada a ordem dos mais votados):

André Sant’Anna, Angélica Freitas, Bernardo Carvalho, Cristovão Tezza, Daniel Galera, Michel Laub, Milton Hatoum,  Nelson de Oliveira (a.k.a. Luiz Bras), Paulo Henriques Britto e Ricardo Lísias.

Este post breve, e nada analítico, se absterá de comentar a seleção, embora possa acrescentar algumas informações adicionais. O autor mais lembrado foi Daniel Galera (autor de um dos melhores romances brasileiro do ano passado, “Barba Ensopada de Sangue”). Três escritores citados estiveram na lista dos 20 melhores autores sub-40 anos da revista “Granta”: Galera, Ricardo Lísias e Michel Laub (autor de um dos melhores romances brasileiros de 2011, “Diário da Queda”). Foram lembrados, no total, 61 nomes.
Por hoje é só.

Post-scriptum: Os votantes foram Álvaro Costa e Silva, José Castello, Schneider Carpeggiani, Christian Schwartz, Miguel Conde, Rodrigo Gurgel, Bruno Zeni, Carlos André Moreira, Caetano Galindo, José Carlos Fernandes, Ricardo Costa, André Seffrin, Cassiano Elek Machado, João Cezar de Castro Rocha e Luís Augusto Fischer.

Post-scriptum 2: As ressalvas foram tão enérgicas que viraram “ressalve-se energéticamente” (com acento). Salvo pelo leitor André Roman.

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Leminski inédito

Por elekistao
01/03/13 17:20

Leminskiano que se preze sabe que o “Toda” do livro “Toda Poesia”, de Paulo Leminski, que a Companhia das Letras coloca hoje nas livrarias, é licença poética.

Leminski não era tipo que coubesse, completo, em nenhuma espécie de engradado. Prova disso é o poema abaixo, que, segundo uma emérita conhecedora do poeta e do homem, a poeta Alice Ruiz, tem ao menos 90% de chances de ser inédito em livros.

O “auge” de Leminski, publicado em 14 de setembro de 1986

Como eu já escrevi em matéria recente que fiz sobre a Besta dos Pinheirais (e que reproduzo aqui), em que pese a fama de boêmio tresloucado, Paulo Leminski era cigarra que formigava a valer. Durante anos se colherá as leminskadas que ele espalhou por aí.

Em Barcelona, por exemplo, andaram fazendo uma boa colheita. O resultado é um belo livrinho bilíngue com poemas de Leminski, que está sendo lançado pela jovem e brava editora local de poesia Kriller 71 (info@kriller71ediciones.com), trabalho coordenado pelo poeta e tradutor Aníbal Cristobo. Eis a capa do livro “Yo Iba a Ser Homero”.

Leminski em español

 

 

 

 

 

 

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As deselegâncias de Pi

Por elekistao
27/02/13 18:36

 

 Estive estes dias por casualidade na casa de um dos maiores aventureiros do país. Roberto Pandiani, o Betão, partiria ontem para sua sétima grande expedição. Vai cruzar o Atlântico Sul: sairá da gloriosa Cidade do Cabo, na África do Sul, e depois de quase um mês em alto mar, sem pit-stops, num barco sem cabine (dormirá amarrado num casulo de 60 cm de largura amarrado numa das bases do catamarã), chegará à paulista Ilhabela.

Um pré-Pi, em foto de Felicity Rainnie

Imaginem uma das perguntas que Betão andou mais ouvindo nos últimos dias?:

 “Você vai levar um tigre no seu barco?”

Eu mesmo incorri na piadinha manquitola, sem saber que já tinha sido usada na sala, momentos antes. Adivinhem a pergunta lançada ao salão logo em seguida:

“O tal ‘Pi’ foi mesmo um plágio do Moacyr Scliar?”, perguntou uma das presentes na casa do explorador.

O assunto não é novo (eu mesmo escrevi em 2004 sobre isso na Folha, quando entrevistei o autor do livro, o canadense Yann Martel, como você pode ler aqui e aqui). Mas diante das estatuetas carecas douradas conquistadas pelo filme “As Aventuras de Pi”, de Ang Lee, somos levados a voltar a este barco.

Plágio ou não plágio não é a questão. Não parecia ser nem para Moacyr Scliar. Vale lembrar um texto à respeito feito pelo próprio escritor gaúcho, que pode ser visto aqui e que estará reproduzido em caprichada nova edição que a L&PM publica em março de “Max e os Felinos”, a novela de Scliar que inspirou ou “inspirou” Martel.

Scliar sabia, você sabe, eu sei, a turma toda sabe que “Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma” (merci, Antoine Lavoisier). O próprio fabuloso Scliar, que escreveu mais de 70 livros, e era capaz de fazer um conto em menos de 55 minutos (sou testemunha e posso relatar num p.s., se alguém ainda estiver acordado), diz que chegou a se inspirar, a citar, a remixar ideias.

Mas há maneiras e maneiras de fazê-lo. E mais do que “plágio”, o tema aqui é “elegância” (ou a falta dela). Martel fez as opções mais desastrosamente deselegantes. Entre outros muitos motivos porque disse à época que “era um tema brilhante demais para ser arruinado por um escritor menor” e porque não procurou Scliar ou sua editora americana ou sua editora brasileira ou seus agentes ou ninguém para dizer que havia se inspirado num livro dele (nem antes de publicar seu livro, nem depois de lançá-lo, nem quando toda a polêmica sobre “plágio” veio à tona, de modo que o próprio Scliar é que teve de ir atrás de um exemplar de “The Life of Pi” para se inteirar do assunto). 

O que pouco se fala, entrando numa estrada vicinal desta história, é que Martel é, penso eu, bastante deselegante também no que diz respeito a estilo. Quando apanhei o exemplar de “A Vida de Pi” que havia lido à época da entrevista com o canadense encontrei porções de sublinhados e anotações como “piegas”, “ruim” ou “???” que eu havia feito. Aqui vão dois destes trechos:

“É uma coisa particularmente engraçada ver traços humanos nos animais, sobretudo nos macacos e micos, onde é tão fácil. Os símios são o nosso mais nítido espelho no mundo animal. Por isso são tão populares nos zoológicos”. (p. 143)

E:

“Era uma plácida explosão de vermelho e laranja, uma grande sinfonia cromática, uma tela colorida de proporções sobrenaturais, um pôr-do-sol do Pacífico verdadeiramente esplêndido e inteiramente desperdiçado comigo”. (p. 145)

O trecho acima, ao meu ver, ajuda a entender porque o filme de Ang Lee, cineasta interessante (fez até mesmo um bom “Hulk”) e sujeito boa praça, é fiel ao livro: uma tremenda cafonália.

Eu, particularmente, gostei mais de outro filme. Este abaixo, no qual Scliar comenta o “bizarro” episódio “‘Max e os Felinos x ‘A Vida de Pi'”. Carece dos efeitos especiais da produção de Lee, mas reparem como era elegante o grande Moacyr, que nos deixou há precisos dois anos:


 

Post-scriptum: Em 2005, quando trabalhava na revista “Trip”, pedi a quatro escritores (Raimundo Carrero, Joca Reiners Terron, José Roberto Torero e Scliar) que escrevessem uma breve ficção para ilustrar incríveis fotos panorâmicas de estádios feitas por Dimitri Lee. Telefonei para o escritor gaúcho, ele topou, pediu que eu mandasse a foto por email para ele ver e, em 53 minutos, entregou seu continho, este aqui. Era o teclado mais rápido do velho Sul.

 

 

 

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